Vila Velha

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A água quente escorria por meu corpo. Minha cabeça tava a milhão. Falar parece muito mais fácil do que viver uma situação. Na verdade é. Palavras podem ser facilmente ditas. As vezes por medo, incertezas, seja até mais fácil falar só pra tentar afirmar algo a você mesmo. Mas não a nada que possa ser dito que seja capaz de fazer o seu coração negar o que tá sentindo de verdade. Pode até falar,  mas é só da boca pra fora.

Quantas vezes fui julgada por ser fria. Quantas vezes precisei ouvir que não tinha sentimentos. Quantas vezes fui colocada como insensível.

Se vestir com uma armadura te protege, mas não quer dizer que não atinja. Cada julgamento é como uma pedra sendo jogada. E mesmo que tenha uma proteção na sua frente, ela ainda causa algumas dores. Mais leves, porém causa.


Minha frieza é minha armadura. Não tolero e nem aceito qualquer coisa. Porque simplesmente mereço o melhor.

Muitas vezes falei que antes do que qualquer coisa e mais do qualquer coisa somos grandes amigos. Mas ter a amizade dele nesse momento tá me machucando. Tá doendo demais. É impossível não sentir algo por alguém que tenha se envolvido de forma tão intensa. Ele vir aqui me dizer que ficaria com ela foi como jogar um balde de água fria em mim. Mesmo sabendo, mesmo tendo a certeza no meu coração que ele escolheria isso, estava doendo.

Aquilo me atravessou, mas não iria permitir me derrubar. Talvez eu seja louca. É... pode ser que eu seja uma daquelas pessoas que senti prazer na dor. Porque não tem outra explicação pro que eu iria fazer.

Sair do banho e liguei pra minha melhor amiga. Precisava dela aqui.

Quando Nina chegou o meu quarto estava uma bagunça. Coloquei praticamente o meu guarda-roupa inteiro em cima da minha cama e o chão estava coberto com os meus sapatos.

N: "O que você tá fazendo?" - Questionou franzindo a testa.

J: "Preciso da sua ajuda. Tenho que arrumar as malas pra ir até Vila Velha."

Ela colocou as mãos na cintura sem acreditar no que acabei de dizer. Antes de entrar no banheiro pra tomar banho liguei pra ela pra contar o que havia acontecido.

N: "Não. Não. E não. Não vou deixar você fazer isso."

J: "Já decidi Nina. Não vou mudar de ideia."

Ela arrancou a roupa da minha mão que estava prestes a colocar na mala.

N: "Eu não vou permitir isso. Vai se machucar mais. Você tá confusa demais pra pensar de forma racional. Tá agindo por impulso, deixando seus sentimentos ficar acima do que é melhor pra você."

J: "Eu não vou ficar aqui de braços cruzados. Não quero isso. Eu vou até lá e vou mostrar que eu tô bem, que eu aguento isso. Que sou forte."

N: "MAS VOCÊ NÃO TÁ BEM JADE" - Ela gritou isso tão alto que se tiver alguém no corredor naquele momento esperando o elevador, com certeza deve ter escutado.

Senti uma dor forte no peito. Sentei na cama e comecei a chorar sem parar. Nina tentava me acalmar, mas era em vão. Ela me abraçou forte e eu soluçava em seu ombro.

J: "Eu tô mal, Nina. Tá doendo, mas eu preciso disso. Preciso ver pra seguir em frente. Tenho que ser forte."

N: "Não acho que essa seja a melhor forma pra isso. Não precisa ser assim."

J: "Se eu suportar isso, então aguento qualquer coisa. Sinto que preciso ir até lá, sei que as vezes minha intuição parece loucura, mas ela sempre tá certa. Assim como estava naquela noite em que me dizia que não deveria ter ficado com ele. Agora ela me diz que preciso ir, então tenho que confiar na minha intuição."

Ela respirou profundamente, olhando quase que arrependida pelo que queria dizer.

N: "Se você está certa disso então vou apoiar. E vou com você." - Ela disse secando minhas lágrimas. Nem pensei na possibilidade dela não ir comigo, levaria ela de qualquer jeito. - "Vai lavar esse rosto. Se recompõe porque temos uma mala pra fazer e temos que montar looks impecáveis. Já que vai encarar isso tem que está linda. E vista sua armadura porque não quero te ver com cara de choro." - Sorri pra ela. Nina era a melhor pessoa. Conseguia ser doce, firme e a parceira mais fiel que poderia ter.

Respirei fundo, levantei e lavei bem o meu rosto. Coloquei uma playlist animada e começamos a selecionar tudo. Minha amiga tinha razão. Já que iria tinha que dar o meu melhor.

...

POV - PAULO ANDRÉ

Estar na minha cidade é sempre uma sensação gostosa. Saber que vou encontrar meu filho, minha família, sempre me deixava imensamente feliz.

Assim que cheguei em casa fui recepcionado por um abraço caloroso dos meus pais. Eles estavam ansiosos pra saber todas as novidades. Pazinho estava na sala com o meu irmão e abriu um sorriso gigante quando me viu. O moleque parecia maior cada vez que o via novamente. Tudo passa tão rápido nessa fase. Já tinha perdido tanto tempo longe dele e isso é difícil demais pra mim. Odiava ter que ficar longe dele e não queria mais isso. Por esse motivo fiz de tudo pra agilizar a papelada em São Paulo e o apartamento já era oficialmente meu. Dessa vez o levaria comigo.

Contei as novas pra minha família. Os contratos que assinei, as propostas que estavam surgindo todo dia, do apartamento que comprei e que já tinha contratado uma arquiteta pra cuidar de tudo. Minha mãe ficou muito feliz por mim, mas também confessou está com o coração apertado porque iria me mudar definitivamente.

Passamos o dia em família. Precisávamos disso, ter esse momento só nosso.

Quando anoiteceu liguei pra Thays. Precisava conversar com ela. Pedi pra vir aqui em casa. Enquanto aguardava ela chegar aproveitei pra fazer o Pazinho dormir. Ele tentou resistir bastante, mas depois de muita insistência adormeceu no meu colo. Fiquei um bom tempo sentindo o seu cheirinho. O aroma mais delicioso da vida. Coloquei ele no bercinho e fui para o meu quarto, aproveitei pra pegar o celular e ler as mensagens.

Toda tropa havia confirmado. Zé enviou algumas propostas para análise. E uma resposta em específico alegrou meu coração. Deja confirmou que viria. Eu queria muito ela aqui. Queria apresentá-la pra minha família e meus amigos estavam ansiosos pra conhecê-la. Respondi a ela que estava feliz e me ofereci pra pegá-la no aeroporto, porém ela disse que não precisava, ia vir com a Nina e pediu o endereço. Eu ia insistir, mas conhecendo a Jade já sabia que ela não aceitaria, então só enviei a localização.

Ouvi alguém bater na porta e respondi pedindo pra entrar.

Era a Thays. A cumprimentei e então fomos até a varanda do quarto. Nos acomodamos no sofá que tinha ali, era um lugar mais reservado para conversarmos. Depois de falar as novidades tratei logo de puxar o assunto. Queria ser direto.

PA: "Como eu disse, comprei o apartamento e estou preparando tudo pra receber o Pazinho. É bem localizado e espaçoso. E também chamei você hoje porque precisava dizer que tomei uma decisão." - Ela me olhava com ansiedade. - "Decidi em tentar." - Ela abriu um sorriso imenso nesse momento. - "Mas preciso pedir um grande favor, não quero expor nada disso. Não quero que ninguém além da nossa família e amigos mais próximos saibam. Temos que primeiro ver se vai dar certo e não quero a mídia em cima disso." - Ela apenas concordou.

T: "Estou transbordando de felicidade com a sua decisão."

Sabia que essa felicidade não iria durar depois que confessasse a ela tudo que fiz em SP. Respirei fundo e continuei.

PA: "Só que preciso ser sincero com você. Encontrei a Jade em SP. Por coincidência ela mora no mesmo prédio e nos encontramos algumas vezes." - O sorriso sumiu rapidamente do seu rosto. - "Eu e ela passamos a noite juntos".

Ela ficou séria. Seu rosto e olhar fechou completamente. Ficou um bom tempo calada. O silêncio entre nós era tanto que era possível ouvir nossa respiração.

T: "Não quero ver você com ela." - Disse enfim.

PA: "Mas isso é inevitável, Thays. Eu e ela somos amigos."

T: "Amigos que transam. NÃO. Pra isso dar certo vai ter que se afastar dela."

PA: "Não vou fazer isso. Só ficamos uma única vez e já decidimos que vamos ser somente amigos e ela vai permanecer na minha vida. Não vou me afastar. Inclusive ela vem pra cá amanhã."

T: "Não acredito, PA. Você chamou ela?"

PA: "Sim. Ela também é minha amiga e faço questão que esteja aqui."

Ela ficou muito chateada. De tal forma que não quis nem dormir aqui. Sei que ela ficou irritada, mas não quero e nem vou me afastar da Deja. Essa foi uma decisão minha e ninguém vai mudar isso.

...

POV - JADE

Acabei de desembarcar em Vila Velha. Nina insistia em dizer que não estava em meu juízo perfeito. Estava começando a concordar com ela. Reservamos um hotel próximo ao aeroporto. Só iríamos ficar um dia. Amanhã no final da tarde irei retornar pra SP.

O Churras estava marcado pras 12hrs. Era dez em ponto quando eu e Nina começamos a nos arrumar. Queria estar impecável. Arrumei meu cabelo, depois fiz a make. Não pesei muito na maquiagem por conta do horário, fiz algo leve pra ficar o mais natural possível. Escolhi um Cropped de renda estilo corselet, nude com detalhes em branco. O decote valorizava meus seios e minha cintura ficou bem marcada naquela roupa. Talvez essa fosse uma proposta ousada para ocasião, mas não iria voltar atrás. Coloquei o meu short branco e tênis na mesma cor pra ficar mais confortável. Nina escolheu um cropped rosa com decote nas costas e um short jeans.

Estávamos pronta. Colocamos peças de biquíni nas bolsas pra caso rolar uma piscina depois.

Não demorou muito pra chegarmos até a casa. Era próximo ao aeroporto e ao hotel que estávamos. Mandei mensagem pro PA avisando que chegamos.

Ele nos cumprimentou animado. Me abraçou forte e disse várias vezes o quanto estava feliz por eu está ali.

Ele estava vestindo uma bermuda jeans clara e blusa branca. Estava muito bonito como sempre. A casa é enorme. Um belo quintal com grama e bem arborizado, com uma vista linda.

PA: "Estão todos lá atrás na área da churrasqueira. Vamos!"

Ele me apresentava empolgado para família. A tropa toda estava animada com a minha presença. Eles falavam que eu sou braba demais, me elogiaram muito. Fiquei até um pouco envergonhada. Depois apresentou a Thays e também o Pazinho. Eles estavam numa cobertura próximo a piscina se protegendo do sol. Ele é perfeito, o neném mais risonho que já vi na vida. E por último, mas não menos importante me apresentou aos seus pais.

PA: "Deja, essa é a minha mãe Mary e o meu pai Carlos."

J: "É um prazer conhecê-los." - Disse os cumprimentando com um aperto de mão. Eles são um casal muito bonito. O PA parece demais com o pai.

A mãe dele me deu um abraço apertado.

Mary: "Quero agradecer por todo carinho e cuidado que teve com o meu filho lá dentro. Sou muito grata por ter ficado ao lado dele, defendido e ainda ensinou ele a cozinhar pra não morrer de fome." - Dei uma risada quando ela disse isso. - "Passei a vida toda tentando ensinar ele a cozinhar e nunca quis aprender, aí precisou uma linda moça fazer isso."

J: "Imagina, tudo que fiz sei que ele também faria por mim."

M: "Mesmo assim agradeço."

Seus pais falaram que torceram por mim também e que sou corajosa demais pra minha idade. Fiquei um bom tempo conversando com eles. São muito atenciosos, uns amores.

Tocava pagode e a tropa dançava animada. Não demorei muito pra me entrosar com eles. Parecia que nos conhecíamos há anos. A comida estava maravilhosa, tudo muito bem feito. O clima ali era leve e agradável.

PA e Thays pareciam distantes e isso me deixou intrigada. Achei que teria que engolir seco vendo os dois, mas eles quase nem se falaram. Apenas quando se tratava do Pazinho.

Me prontifiquei a ajudar a Mary, mãe do PA, a organizar a bagunça que se formou após o almoço. Juntamos os pratos, talheres e copos e estávamos limpando tudo na cozinha externa que fica próximo a piscina, na área da churrasqueira. Ela me fez várias perguntas e estava respondendo tudo porque ela me fez sentir muito a vontade. Contei que comecei a trabalhar como modelo com meses de vida, que meus pais se separaram quando tinha 8 anos e o quanto isso foi difícil pra mim. Ela ficou admirada quando disse que conquistei minha independência financeira com 13 anos e abri minha primeira empresa aos 16.

Nossa conversa foi interrompida pelos meninos que me chamaram pra piscina. Estava muito quente e todos já haviam pulado pra se refrescar. Até a Nina já estava lá dentro aproveitando com o João, eles estavam conversando desde quando chegamos.

Pedi licença a Mary e ela gentilmente disse que era pra me sentir a vontade e curtir bastante.

Entrei na casa pra ir ao banheiro trocar de roupa. Coloquei meu biquíni verde com um belo decote nos seios. Assim que sai dei de cara com ela.

J: "Que susto, Thays. Não sabia que tava esperando aqui fora." - Disse colocando a mão no coração.

T: "Precisamos conversar."

J: "É melhor irmos lá pra fora. Estão nos esperando."

T: "Eles aguardam. Não vou demorar."

Não queria falar com ela, mas estava encurralada.

Droga!

Porque não insistir pra Nina entrar comigo?

Ela me levou até um dos quartos e fechou a porta pra ficarmos mais a vontade. Chuto que esse deve ser o quarto do PA já que tem várias fotos dele em uma das paredes. Desde bem pequeno, até adulto nas olimpíadas. Um cômodo bem aconchegante. Paredes claras e móveis branco.

Thays começou a falar chamando minha atenção de volta pra ela.

T: "PA me contou o que houve entre vocês." - Então ele realmente falou a verdade pra ela como havia dito pra mim que iria fazer. - "Não sei se você sabe, mas nós reatamos. Decidimos nos dar uma chance novamente, na verdade tentar pela primeira vez ficarmos juntos de verdade. Como uma família."

J: "Sim, eu sei. Ele me contou."

T: "Então já que você sabe, queria pedir a você o mesmo que pedi a ele. Gostaria que se afastasse dele." - Meu corpo estremeceu.

Então por isso eles estavam tão estranhos.

Suas palavras estavam a verberar em minha mente. Ela sentia como se eu fosse uma ameaça a eles, mas se depender de mim não aconteceria nada. Não permitiria isso.

J: "Thays, se o PA quiser se afastar de mim eu não vou insistir, deixarei ir. Mas se ele quiser continuar com a nossa amizade não irei afastá-lo. Quero que saiba que por mais que a gente tenha transado, isso não muda o fato de termos uma grande amizade e não quero acabar com isso. Não se preocupe que não vou me meter entre vocês. Esse não é um lugar que quero estar. Não nasci pra ser outra de ninguém, muito menos pra disputar um homem com outra mulher. Ele já tomou a decisão dele e respeito. Pra mim não seremos nada mais que amigos."

Ela engoliu seco a minha resposta.

T: "Você pensa que não, mas vai atrapalhar sim e vai estar no meio disso, entre uma família."

J: "Não. Sei bem qual é o meu lugar na vida dele. Eu escolhi isso. Ser apenas amiga e nada mais." - Fiquei chateada com o que ela disse, mas tentei não transparecer. - " Com licença, irei voltar lá pra fora."

Virei de costas pra ela e sair daquele quarto com pressa. Estava me sentindo sufocada. Precisava de ar puro.

Retornei pra área da piscina e logo PA percebeu que eu estava estranha e perguntou o porque. Disse que tava tudo bem e que era só o calor. Entrei na piscina e puxei conversa com os meninos. Não demorou muito pra ficar completamente distraída com eles.

Por fora estava sorrindo e brincando com todos. Não queria ser rude com eles que me receberam tão bem. Por dentro estava esgotada. Cansada. Não queria, mas a real é que a sensação é que tô no meio de toda essa história entre eles e isso me incomodava demais.

Quando começou a anoitecer, decidi ir embora. Eles iriam madrugar curtindo, mas eu não estava na mesma vibe. Prometi a eles marcar um rolê em SP e todos disseram que iam cobrar. Pediram até o meu número ao PA. Me despedi dos seus pais e agradeci por me receber tão bem.

Senti um alívio quando sair daquela casa. Parecia que um peso havia saído de cima de mim. Não quero mais ter essa sensação. Preciso dar um basta. Está ali me fez entender que tenho que mudar. Dês da minha saída do programa não havia me envolvido com mais ninguém. Mesmo não prometendo nada, por respeito a ele que permanecia lá dentro, decidi ficar sozinha até que pudéssemos conversar aqui fora. Aquilo parecia uma obrigação que havia imposto a mim mesma.

Mas agora ele estava aqui, conversamos. Ele tomou sua decisão. Então não tinha motivos pra estar presa a ninguém. E na realidade nunca tive.

Chega.

Minha intuição é sempre a melhor das melhores. Eu precisei ir até ali pra me libertar novamente. Não quero saber mais de nada. Sou solteira, livre, desimpedida. No auge dos meus vinte anos. Tenho é que viver. Tá na hora de virar a página e começar algo novo.

Estou pronta pra essa nova fase. Que venha o festival! Chegou a hora de renovar minhas energias. 

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O que acharam? O que será que a Jade vai aprontar no Coachella? 

Predestinados (JADRÉ)Onde histórias criam vida. Descubra agora