Prólogo

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⚠️ Alerta de gatilho! ⚠️

Esse livro contém cenas de agressão física, assédio sexual, estupro, linguagem agressiva e cenas explícitas de sexo. Se você é sensível a algum desses temas, não leia.

Recomendado para maiores de 18 anos.

Boa Leitura!


Prólogo

Viver perigosamente. É estranho saber que isso foi uma escolha. Enquanto muitas pessoas fogem do perigo diariamente, eu corro até ele. E gosto disso.

Quando jovem, na época da adolescência, tive que me virar sozinha. O bullying e o racismo eram constantes no meu dia a dia, e de certa forma isso me moldou. Me levou a tomar decisões impulsivas, como da vez que bati em uma garota por conta de um copo de suco jogado em meu cabelo. Machuquei tanto o rosto dela que a escola chamou a polícia para mim. Atacar era um dos melhores métodos pra me proteger.

Meu pai me transferiu de escola depois de muitos sermões e longas conversas. Mas a real é que só mudei de endereço, pois a nova escola era tão tóxica quanto a outra. Foi quando caiu a ficha de que, por mais que eu me esforçasse para que os outros gostassem de mim, não seria suficiente para quebrar a rede de preconceito.

Sempre que eu tentava ser igual a todo mundo, me enturmar, ter amigos e namorar, alguma coisa acontecia para me lembrar de que o tom da minha pele, ou meus cabelos cacheados iriam ditar as regras de como eu ia ser tratada em certos lugares.

Me envolvi em muita confusão naquela fase da vida. E meu pai nunca ficava do meu lado, mesmo ele passando por coisas tão ruins quanto. Demorou, até que eu entendesse que o problema não era conosco.

Éramos apenas eu e o papai, tínhamos uma casa boa, ele tinha um bom emprego e tudo do bom e do melhor. Mas de uma hora para outra, ele começou a se interessar por jogos e bebidas. Isso o fez ser demitido do cargo de gerente da loja de eletrônicos em que trabalhava. Em alguns meses já estávamos falidos.

Nossa sorte foi a tia Carmen, que nos abrigou em sua casa por anos, no subúrbio de Richmond .

Lá encontrei um pouco de paz. Não tive dificuldade em criar laços, o grande problema ainda era o meu pai, que caía em decadência aos poucos. Seu vício em bebida intensificou com o passar dos tempos. Todo emprego que ele arrumava não se mantinha por mais de cinco meses. Tentei de todas as formas ajudá-lo, mas comecei a perceber que não havia mais jeito.

Certo dia ele apareceu com a Shirley, uma mulher até simpática, mas tão viciada em álcool e drogas quanto papai. Os dois se entendiam muito bem, meu velho Maxuel se mudou pra casa dela poucos meses após o início do relacionamento. Aos poucos nos distanciamos.

Quando fiz dezessete anos resolvi seguir a minha vida, éramos apenas eu, tia Carmen e meu primo, David.

A casa era pequena, tinha apenas uma sala, dois quartos, uma cozinha e um banheiro. Eu dormia na sala, já achava demais ter que deslocar um dos dois de seus quartos. Me sustentarem era o bastante.

David já era um homem de vinte e cinco anos e precisava de privacidade. Nós já nos conhecíamos, mas éramos distantes. Só depois de meses morando sobre o mesmo teto é que ficamos amigos. Ele passou a me considerar uma irmã e sempre que tinha uma folga do trabalho, me levava para tomar sorvete em uma pracinha do centro.

Aos dezoito comecei a pesquisar faculdades. Eu era boa em linguagens, entendia um pouco de geografia e história, adorava sociologia, mas não conseguia achar nada que fosse a minha cara.

Nessa mesma época arrumei um emprego de balconista no período da tarde e noite, o que me alegrou, pois consegui ajudar nas despesas de casa. Senti que minha vida estava tomando um rumo. Mal sabia que aquele emprego seria como um divisor de águas.

Em um dia quente, de sol escaldante, estacionaram bruscamente uma picape preta na frente da loja onde eu trabalhava. De início, pensei que seria algum jovem inconsequente no volante, mas era algo bem pior. Saíram, de dentro do veículo, dois homens encapuzados, com armas de grosso calibre e um tom de voz intimidador. Eles ordenaram, sob gritos, que todos os funcionários levantassem as mãos e não se mexessem. Um dos homens caminhou até a mim e exigiu que eu lhe desse todo o dinheiro do caixa. Fiz como pediram, entreguei tudo e até além; abri o cofre que ficava escondido embaixo do balcão e lhes entreguei todo o dinheiro. Eu estava em choque, não conseguia pensar direito. Mais tarde, ao ver as fitas da câmera, o dono do estabelecimento, senhor Franck, me acusou de ser cúmplice, pois era a única além dele a saber que havia notas grandes naquele cofre. Os bandidos só haviam pedido o dinheiro do caixa. Depois de um tempo até concordei com seu raciocínio, mas no momento do assalto eu não pensei, apenas agi.

Fui levada até a delegacia e me puseram em uma cela até alguém se desocupar e atender meu caso. Fiquei uma hora ao lado de duas mulheres mal encaradas. Eu não tinha mais lágrimas para chorar, estava desolada. Foi quando eu conheci o delegado Torres.

Ele já era um senhor de idade e estava prestes a se aposentar. Assim que me olhou mandou me soltar e me levarem até a sua sala.

Ao questionar a minha versão dos fatos, me liberou e não registrou o boletim de ocorrências. Fiquei agradecida, mas incrédula de que aquele bom homem havia acreditado em mim tão facilmente.

-Como sabe que eu sou inocente? O que o faz pensar que não fui cúmplice dos assaltantes? - Perguntei antes de me levantar e sair de sua sala.

Ele gargalhou alto e respondeu:

- Se havia alguma dúvida, agora não tenho mais. Sabe, menina, estou nessa carreira há muitos anos, vi muita coisa; assaltos, assassinatos e tudo que possa imaginar. Com o tempo vamos ganhando experiência. Você é jovem e tem muito a aprender, uma canetada minha poderia direcionar sua vida para um lado ruim, onde não há oportunidade de retorno. Não entrei na polícia para isso, pelo contrário, minha motivação é combater as injustiças.

O que ele disse ficou na minha cabeça até hoje. Conheci poucas pessoas verdadeiramente honestas, e o delegado Torres foi uma delas.

-Muito obrigada por acreditar em mim.

Antes de fechar a porta e esquecer aquele capítulo ruim da minha vida, o ouvi concluir:

-Me agradeça fazendo algo de bom.

E assim fiz. Dois anos depois iniciei minha vida na polícia.

A minha vez, Victória Livro 4 CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora