Cap. 14

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Cap. 14 - Interpretação de um sonho estranho, um agouro feroz aparece.

Nangong Rang estava no auge de sua vida. Ele tinha um total de nove filhos e três filhas.

A princesa mais velha, Nangong Sunu, casou-se no ano passado. Nangong Jingnu encontrou seu caminho para fora do palácio há algum tempo, mas ela ainda tinha um pouco medo de viver sozinha. Nangong Rang tinha bom entendimento dos pensamentos de sua amada filha e por isso permitiu que Nangong Shunu se juntasse a ela.

O rosto de Nangong Shunu se alternou entre vermelho e branco, chutando seu pé: "Oh, se eu arrancar essa sua pequena boca astuta hoje, veremos se você se atreveria a me dedurar ao pai!"

Nangong Jingnu mostrou sua língua descaradamente, logo em seguida levantou seu vestido do palácio e correu em disparada. Que atitude culta e refinada? Que etiqueta do palácio? Todas elas foram completamente desconsideradas.

Nangong Shunu correu atrás dela. Ela estava vestindo robes masculinos, além de ser mais velha, logo a alcançando em alguns passos.

Nangong Jingnu suspirou de surpresa, implorando por piedade: "Boa jiejie, deixe-me ir apenas desta vez! Jingnu nunca mais fará isso."

Nangong Shunu bufou friamente, finalmente tirando suas mãos que faziam cócegas. Ela beliscou as bochechas macias de Nangong Jingnu: "Não diga a mais ninguém."

Quem sabia sobre o que mais aquelas duas irmãs falaram, mas elas terminaram rindo juntas. As duas princesas entraram na residência de mãos dadas; não era difícil ver que elas tinham uma boa relação.

Nangong Shunu guardou o leque de papel em sua manga com uma expressão um tanto tímida.

Gongyang Huai havia esquecido seu leque próximo ao riacho, foi lá que ela o pegou logo em seguida.

Enquanto isso, Gongyang Huai foi ajudado por dois amigos a voltar para casa. O porteiro foi até ele imediatamente, chamando por alguns servos para ajudá-lo. Depois, escoltou os dois estudantes que carregaram o jovem mestre até o portão. Ele os agradeceu outra vez antes de voltar para dentro.

Os servos ajudaram Gongyang Huai a chegar ao pátio. O porteiro trincou seus dentes, seguindo atrás. Uma vez na entrada da casa, Gongyang Huai apertou seus olhos e perguntou: "Por que você tem me acompanhado todo o caminho em vez de guardar o portão?"

O porteiro se curvou, então disse: "Segundo jovem mestre, este tem algo a reportar."

Gongyang balançou sua mão para dispensar os servos. O porteiro se ajoelhou com receio: "Segundo jovem mestre, um jovem acadêmico veio há algum tempo, afirmando ser um velho amigo seu."

Gongyang Huai não prestou muita atenção a isso: "Ele deixou um nome?"

"Ele- Ele deixou... Ele alegou se chamar Qi Yan, da província Jin."

Gongyang Huai levou um tempo para reagir, então arregalou seus olhos: "Onde ele está!?"

O porteiro ansiosamente pegou o pingente de jade e o apresentou com ambas as mãos: "Aquele jovem mestre ordenou que este entregasse esse item ao segundo jovem mestre, mas ele já havia ido embora antes que este pudesse pará-lo."

Gongyang Huai pegou o pingente. Ele observou-o mais de perto: era o exato pingente que ele havia presenteado a Qi Yan.

O vigor tardio do vinho de flor de cerejeira caiu sobre ele. Ele se apoiou no canto da porta, estalando com desgosto: "Desde que ele apresentou um token, por qual razão você não o recebeu cortesmente? Como você pôde deixá-lo ir desse jeito?"

O porteiro explodiu em suor frio. Ele gaguejou enquanto falava: "Aquele jovem mestre saiu logo depois de entregar o pingente, este, este, não reagiu a tempo."

Gongyang Huai deu três risadas frias: "Tie... Aquele meu amigo não é uma pessoa descortês. Deve ter sido você quem o desprezou."

O porteiro bateu sua cabeça no chão, não se atrevendo a responder. Gongyang Huai deu um longo suspiro: este porteiro já era um ancião nesta residência. Ele simplesmente foi infectado pelo ar podre da capital, o que tornou-o um tanto esnobe. Seu pai e irmão mais velho nunca prestavam atenção a essas coisas, mas ele nunca gostou desse ar burocrático. Ele escapou da residência três anos atrás por que ele havia ouvido que poderia haver um exame imperial. Ele finalmente havia feito um amigo com gostos parecidos que não se importava com sua classe social, mesmo assim ele foi afugentado pelo seu próprio porteiro!

Gongyang Huai começou a se lembrar de Qi Yan: embora fosse modesto e educado, ele também era alguém que não era humilde ou orgulhoso. Quem sabia se este pouco havia esfriado o coração do outro.

Pensando até esse ponto, ele subconscientemente colocou uma mão em seu peito. Mas aquele leque de papel que ele pediu que Qi Yan escrevesse nele há três anos havia sumido!

Agora Gongyang Huai estava completamente sóbrio. Ele chutou o porteiro sob grande fúria: "Prepare uma liteira imediatamente!"

"Segundo jovem mestre, aquele jovem mestre talvez volte em alguns dias. Como você procurará por ele em meio ao mar de pessoas? Você está bêbado, é melhor ficar em casa e ter um bom descanso. Este irá ajudá-lo a procurar por ele!"

"Este jovem mestre perdeu algo importante, prepare uma liteira!"

O porteiro deixou um longo suspiro escapar ao ouvir isso: "Este vai prepará-lo imediatamente."

Gongyang Huai voltou ao riacho na velocidade da luz, mas a reunião já havia se dispersado. Como poderia não haver qualquer vestígio de seu leque de papel? Ele sentiu como se tivesse perdido sua alma ao retornar sem sucesso. No dia seguinte, ele arrumou seu cabelo e vestiu-se bem antes de mandar procurarem por Qi Yan.

Porém, o mar de pessoas se agitava pela capital. Como poderia ser fácil encontrar uma única pessoa?

E quando Gongyang Zhong ouviu sobre isso, ele repreendeu Gongyang Huai e lhe deu uma ordem de reclusão que durou até o dia do grande exame.

... ...

Qi Yan alugou uma pequena residência quieta e bonita na periferia da cidade, como de costume, embora o preço de viver na capital não era nada como o das outras províncias. Somado a outras coisas que aconteceram durante sua jornada, agora existiam apenas algumas peças de cobre em sua bolsa após pagar seu aluguel.

Com isso, Qi Yan trouxe alguns manuscritos para a cidade. Ela seguiu direto para uma livraria, procurando pelo lojista para procurar por um emprego que pudesse resolver seus gastos.

O lojista olhou para a escrita de Qi Yan com um olhar cheio de dúvida: "Você escreveu isto?"

Mesmo que Qi Yan intencionalmente tenha retraído seu estilo de escrita, ainda parecia uma excelente caligrafia que era difícil de ser alcançada.

Qi Yan respondeu respeitosamente: "Sim."

"Maliu! Traga papel e um pincel!"

Um empregado trouxe o papel e um pincel. O lojista apontou seu queixo para Qi Yan: "Deixe-me ver você escrever algumas palavras. Se aquela escrita realmente veio de suas mãos, então poderemos discutir o preço."

Qi Yan escreveu um pequeno poema sob a atenção do lojista que mostrou grande emoção após ver sua escrita: "Excelente caligrafia! Excelente caligrafia! Desde que o jovem mestre atingiu tal patamar, então por que tomar a estrada mais longa? Que tal deixar alguns trabalhos nesta humilde loja para vendermos por você?"

Qi Yan balançou sua cabeça: "Para dizer-lhe a verdade, este veio para a capital no intuito de participar do exame de primavera que se aproxima. Eu apenas pensei em escrever por causa da minha situação financeira, portanto, não me atreveria a vendê-los."

Os mercadores possuíam um status baixo no reino Wei. Não importava o quão pobre um estudioso era, eles nunca iriam se rebaixar a se associar com mercadores. Vender caligrafia era ainda mais humilhante. Se tornaria um caso de denúncia se fosse vazado.

O lojista estava um pouco surpreso. Ele estudou Qi Yan mais uma vez: aqueles que desejavam participar do exame de primavera deviam ser estudiosos de primeira linha, e seus status seriam indescritivelmente respeitados mesmo na capital. Eles também não precisavam se curvar para os oficiais em saudação, mesmo que não fossem atribuídos a um posto.

O lojista deu um sorriso de desculpas: "Então este é um mestre juren*, perdoe os olhos desajeitados deste velho homem." [TN: 举人 (Ju Ren) Estudioso de primeiro grau.]

Qi Yan retornou a cortesia: "O velho senhor não precisa ser assim. Posso perguntar se há trabalho?"

O lojista trouxe um livro e um papel em branco pré-dobrado, entregando-os a Qi Yan: "O valor de um livro são duzentos cobres. Com sua excelente caligrafia, com certeza será vendido por um bom preço, então adicionarei outros duzentos cobres. Eu irei lhe incomodar para que volte aqui em dez dias para que possa pagar por seu trabalho."

Qi Yan acenou, ela colocou o manuscrito de volta a seu baú de estudioso. Vendo a maneira simples que o jovem à sua frente estava vestindo, o lojista a parou por um momento.

"O mestre juren pode poupar um momento para conversarmos em outro lugar?"

Ambos seguiram a um local reservado e quieto. O lojista disse baixinho: "Perdoe este velho homem por dizer algo que não deveria ser dito; o preço de viver na capital não é nada como nas outras províncias. Ainda faltam alguns meses para o grande exame. Você vai precisar de algumas pratas para fazer coisas como ver amigos, comprar comida, roupas e até tinta e papel. Mesmo o mensageiro que anuncia seus resultados após o exame precisará ser pago com ao menos um liang de prata como recompensa. Este velho homem sabe que você se sentirá envergonhado por se envolver com comércio, mas há um antigo ditado que diz isto bem: 'é melhor prevenir do que remediar', certo?"

Qi Yan acenou com a cabeça: "As palavras do velho senhor são razoáveis."

O lojista continuou: "Então por que não usar um outro nome, ou um pseudônimo? Empacote bem o manuscrito e entregue-o para esta humilde loja. Eu não vou esconder isto de você, uma grande quantidade de estudantes na mesma situação que a sua fizeram isso antes. Esta livraria tem estado aberta com uma excelente reputação há mais de cem anos. Não importa em qual situação você termine no futuro, este velho homem nunca irá vazar nem mesmo meia palavra. O mestre juren pode descansar em paz."

"Este aprecia a boa vontade do velho senhor. Permita-me algum tempo para considerar em casa, então eu darei minha resposta em dez dias."

"É claro, é claro. Este velho vai acompanhá-lo até a entrada."

"Não há necessidade, velho senhor."

... ...

Durante a meia-noite, um grito repentino viajou do palácio Ganquan. Sijiu, que estava guardado do lado de fora da câmara, empurrou a porta e correu para dentro apressadamente: "Vossa Majestade!"

Nangong Rang estava respirando pesadamente na cama do dragão. Sijiu ajoelhou-se do lado de fora das cortinas, falando em um voz suave: "Vossa Majestade teve um pesadelo?"

Nangong Rang bufou uma longa respiração e depois limpou o suor em sua testa com a longa manga: "Sijiu..."

"Este servo está aqui."

"Chame o adivinho imediatamente."

"Entendido."

Uma hora depois, um homem de meia idade em vestes branco marfim com lapelas bordadas com um padrão da ursa maior caminhou em direção à câmara e se ajoelhou diante do dossel de dragão: "O adivinho Guo Qingliu saúda Vossa Majestade."

"Sijiu, dê-lhe um assento."

"Entendido."

Sijiu colocou um banco para Guo Qingliu antes de se retirar da câmara, com sensatez.

Uma cortina amarela brilhante os separavam. Nangong Rang sentou-se reto na cama do dragão, sua silhueta era parcialmente visível atrás das cortinas.

"Eu... tive um sonho."

"Este humilde súdito é todo ouvidos."

"Eu sonhei com uma estranha besta que vinha cavalgando em uma nuvem empurrada pelo vento. Aquilo pairou sobre este palácio imperial por um momento antes de matar todos os guardas imperiais com um único rugido. Mais tarde, aquela besta estranha veio na direção do meu quarto. Ele explodiu as janelas e então me encarou com seus olhos enormes. Em meu sonho, eu estava paralisado na cama do dragão. Os rugidos daquela estranha besta arrepiava até minha espinha."

Nangong Rang apertou seus punhos. O horror persistente de seu sonho atingia fundo em sua medula; ele não conseguia expulsá-lo.

"Caro ministro... como você interpreta este sonho?"

Gui Qingliu ajoelhou-se no chão com o espalhar de suas vestes: "Posso perguntar a Vossa Majestade como aquela besta estranha se parecia?"

"A besta andava em quatro patas. Seu corpo era similar a um qilin*, todavia, sem nenhuma escama. Possuía um longo pêlo marrom e um par de chifres afiados de boi no topo de sua cabeça. Além disso, possuía olhos de leopardos do tamanho de uma tigela e presas longas e afiadas..." [TN: 麒麟(Qi Lin) é uma criatura quimérica da mitologia chinesa e do leste asiático, a qual simboliza bom presságio.]

Jing Wei Qing Shang - [Pt-Br]Onde histórias criam vida. Descubra agora