Remexi os dedos sobre a calça, tamborilando para criar uma música na cabeça, so pra me distrair e escapar do forno mental que era aquele carro, cozinhando os meus neurônios.
Estávamos sentados, eu e Lennick, no banco de trás de um táxi. Cada um colado a uma janela, deixando 1 km de distância entre nós. Depois do fiasco de jantar de noivado, nós nem nos esforçamos para fingir; pelo contrário, ficamos mudos e separados pelo fim da noite, recebendo olhares e perguntas de "está tudo bem?", mas ignorando tudo.
Olhei de soslaio para o garoto, percebendo que ele estava desenhando algo no vidro embaçado do carro.
Suspirei pesado. Como eu odiava tudo aquilo.
Enfiei as mãos no bolso e peguei a caixinha ali, ja levemente amassada. Abri e encarei por alguns segundos antes de esticar em direção ao garoto. Não o olhei diretamente, mas encarando o carpete sujo do carro eu conseguia ter noção do que acontecia ali.
Lenny olhou para os chocolápis em sua direção, depois para mim e novamente para o doce. Chegou a erguer a mão, mas voltou a pousar sobre o assento de couro. Suspirou pesado e virou o rosto, encarando a janela novamente.
- Não, obrigado. - murmurou.
Assenti magoada. Confesso que esperava que ele sorrisse e aceitasse minha tímida oferta de paz, chamando-me de Valenbaby. Mas aparentemente o único som proferido naquele taxi era o de suspiros pesarosos e uma ocasional tossida do motorista.
- Chegamos a primeira parada - informou o homem bigodudo a frente.
- Obrigado. - murmurei enquanto abria a porta.
Segundos antes da porta bater e trancar, meu amigo soltou um "tchau" baixo e desanimado.
Assisti o carro se afastar, levando consigo o que parecia ser um pedacinho da minha paz.
- Tchau, Lennick - sussurrei antes de me virar.
Peguei a chave no bolso, girei na fechadura, entrei e encostei as costas na madeira fria, aliviada em finalmente estar em casa. E isso não era uma coisa que acontecia com frequência: sentir-me bem em voltar pra casa. Mas naquele momento, até mesmo um elevador direto para o inferno seria melhor do que o buraco deprimente que era estar com meu amigo loiro.
Arrastei meus pés escadas acima, ansiando pela companhia certeira que eu sabia estar me esperando, provavelmente deitada em minha cama, comendo pipoca, com um sorriso pronto para me receber. Mas ao chegar em meu quarto a pequena bagunça esperada não foi encontrada.
Scar estava sentada sobre a cama perfeitamente arrumada. Ela também não estava como eu esperava: de pijama, lindamente despenteada, assistindo algo na netflix confotavelmente deitada. Nada disso; a garota estava com a roupa que viera, de calçados, com o cabelo preso num rabo de cavalo e a mochila num dos ombros.
Parei embaixo do batente.
- Está tudo bem? - perguntei genuinamente perdida.
Scarllet suspirou. Aparentemente essa era a única forma de comunicação permitida naquele fatídico sábado.
- Vadia profissional? - a garota perguntou erguendo uma folha de papel que antes estava de face virada, sob a cama.
Meu sangue gelou nas veias percebendo que papel era aquele em suas mãos: sua ficha criminal que eu tinha começado a datilografar há mais de um ano.
- V-Você mexeu nas minhas coisas? - soltei com a voz baixa e incrédula. Eu sabia que essa não era a grande questao no momento, mas era a única coisa que eu conseguia pensar para não ter que admitir a culpa sozinha.
Primeiro a garota pareceu perdida com minha pergunta. Então ela se recompôs.
- Eu derrubei salgadinho na gaveta sem querer. Estava limpando e retirando os farelos dos papéis quando encontrei isso.
- Você não tinha o direito de mexer nas minhas coisas - insiti, tentando fazer minha voz soar mais firme do que eu me sentia.
- Não era minha intenção espionar suas coisas mas acabei percebendo meu nome numa folha e... - explicou Scar, que nunca teve dificuldade em admitir seus erros e sua culpa, deixando-me agora com o peso da minha - É isso que você acha de mim?
Balancei a cabeça em negativa, sem conseguir encontrar a coragem para admitir minha culpa também e explicar o que era aquilo.
- É cruel pensar e escrever essas coisas. Ainda mais da sua melhor amiga.
Desviei meu olhar para o chão porque era impossivel encarar os olhos a minha frente.
Scar levantou-se deixando o papel sobre a cama. Parou a poucos centímetros a minha frente enquanto eu, muda, encarava seus Vans.
- Você não vai dizer nada?
Dei de ombros, debilmente. Eu não era boa com palavras. Eu sabia que tinha que dizer algo, que tinha que me explicar, que precisava fazer Scar entender o quanto era importante pra mim e o quanto eu estava enganada a respeito dela, o quanto eu mudei.
Mas, novamente, eu não era boa com palavras.
- Não era pra você ter visto - falei quando ela estava passando ao meu lado, numa tentativa ridícula de tentar amenizar meu erro.
A garota parou sob o batente e confirmou levemente com a cabeça.
- Eu imagino que não. - disse apenas e saiu, me deixando mais sozinha do que eu jamais estive.
Fiquei vários minutos parada, em pé, no mesmo lugar, sem conseguir me mexer. Não sei exatamente quanto tempo, mas imagino que mais de uma hora, já que minhas pernas reclamaram de dor. E os joelhos, já não mais aguentando a tensão, cederam, me fazendo desabar sob o tapete felpudo do chão do meu quarto. E ali eu fiquei, sentindo as lágrimas escorrerem silenciosamente pela minha bochecha, levando consigo o lápis preto de meus olhos.
A vida era uma merda.
Ter amigos era uma merda.
Tirei as sandálias e desabotoei a calça antes de me arrastar para a cama, me enfiando debaixo dos cobertores, bem no fundo da minha alma, sem deixar nenhuma fresta do mundo exterior entrar. O ar quente e pesado não me era sufocante, pelo contrário: era aliviador. Era como uma sauna seca expurgando todos os meus erros, tirando cada defeito meu diretamente dos meus poros.
E ali, sem ar fresco ou problemas, eu adormeci o sono mais pesado e cansado que já tive. Tão profundo que dava até para sonhar que eu não iria mais acordar. Ou pelo menos desejar.
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Não, nao é miragem.
É att mesmo.
Depois de 3 anos em hiatus, eu to tentando voltar.
Espero que ainda esteja alguém aíDe repente é bom voltar alguns capitulos (pelo menos o último) pra lembrar o q aconteceu
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Guia Prático Para Um Suicídio De Êxito
Teen Fiction#1 em Guia (24/11/2018) Valentina é uma garota de 16 anos que está escrevendo um livro diferente: um guia de suicídio. Para isso ela pesquisa e testa em si mesma diferentes formas de tirar a própria vida. Há quem diga que a garota é fraca por não...