O pior presente na árvore de Natal.

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Se eu pudesse definir o caminho até o cinema em uma palavra apenas, essa palavra seria: divisão.

O carro dos pais de Patrick era um Freemont, com sete lugares. A organização interna ficou com Patrick claramente no volante e Lenny ao seu lado, o trio Katy-Scar-Sam sentado no banco logo atrás, nessa exata formação, e Gabriel e eu sentados no banco mais ao fundo.

Gabriel praticamente colou seu braço sobre meus ombros e constantemente enfiava o nariz em meus cabelos, para sussurrar algo, que ia desde "cê vai ter que me comprar pipoca, maluca" até "teu amiguinho tá muito puto, gata" quando percebia que Lennick nos fitava pelo retrovisor. E o nosso olhar sempre acabava se encontrando no espelho. Mas, enquanto o cenho franzido de Lenny me fitava por alguns segundos, eu logo desviava. Era estranho ver aqueles orbes azuis irritados.

Já minha amiga conversou o tempo inteiro sobre futilidades de maquiagem e roupas com as outras duas, tentando esporadicamente me incluir na conversa. Ela ainda aproveitava para lançar-me um sorriso cúmplice toda vez que virava para trás. Por algum motivo, parecia ser minha parceira de crime, embora não fizesse a menor ideia do que estava rolando entre mim e o garoto da cara manchada.

O pseudo-punk se enfiou em meus cabelos novamente.

- É impressão minha ou o sutiã da Samantha tem muito mais alças do que o normal? - sussurrou com o hálito quente bem perto de minha orelha.

Olhei confusa para a cara divertida ao meu lado, depois para os ombros de Sam. Haviam duas fitas de cada lado, uma vermelha e outra verde-limão, lutando para não se enlaçarem sob a regata cinza.

Ora ora ora, então quer dizer que Samantha usa enchimento-não-recomendável sob a blusa justa? Quem diria...

Gabriel estava segurando o riso. Eu abafei minha risada em seu ombro, e o garoto fez o mesmo contra o topo de minha cabeça.

- Você é um verme e vai para o inferno por isso - cochichei ainda tentando me controlar.

- Eu vou, mas te arrasto junto comigo. - respondeu baixinho.

Scar virou e me lançou um meio sorriso insinuador quando percebeu que estávamos rindo de algo. Mal sabia ela que estávamos fazendo piada de sua melhor amiga.

Durante a caminhada pelos corredores largos do shopping lotado, e mesmo na longa fila para comprar os ingressos, Lenny pareceu evitar ficar próximo a mim. Ele foi sempre alguns passos a frente, conversando com Paty Maionese, às vezes parando um pouco para brincar com as garotas e cutucar suas cinturas. Percebi que me lançou olhares de esgueira, e a ideia de Gabriel de que meu amigo estaria interessado em mim começou a me parecer um pouco menos impossível do que antes. Mas, ao mesmo tempo, lembrei-me da minha aparência e comparei com a das garotas com quem Lenny costumava sair, e então percebi como essa ideia era absurda.

O garoto bonito e popular afim da esquisitona com tendências suicidas? Por favor! Esse era o pior clichê dos filmes adolescentes. Era o exato tipo de enredo artificial construído apenas para encher as meninas solitárias de expectativa sobre a socialização, mas que, no fundo, ninguém nunca vira acontecer na vida real. E eu com certe,a não seria a primeira.

Gabriel continuava magnetizado ao meu lado, sem me soltar por um instante sequer. Ele apontou e comentou sobre algumas cores de All Star que aparecem nas vitrines, explicando-me que precisa comprar um par novo.

- Cê tá vendo aquele azul escuro ali? Eu tava pensando naquele. Ou aquele todo preto alí, vê? - seu dedo indicou um monocromático.

- Já tive um par assim - comento - Mas depois de algum tempo comecei a sentir falta da borracha branca?

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora