Piada no purgatório

530 101 209
                                    

Que horas são? Porque minha mãe não me acordou ainda? Hoje é que dia? – eu pensava sem abrir os olhos – Merda, será que ela saiu? Eu não quero levantar, minha cama está tão gostosa. Apesar de que está meio frio... O cobertor deve ter caido; onde está essa droga? – tateei cegamente pelo colchão – Cadê? Onde está... Espera.... Mas o que é isso? É quente... É macio... Mas espera... Isso... Isso é...

Arregalei meus olhos no mesmo instante, me deparando com um teto sem estrelas que não era o meu. Olhei para a direita e havia um mar de cabelos negros se espalhando sobre o travesseiro; olhei para a esquerda e havia um porco-espinho loiro.

Então... Então eu havia... Transado com dois estranhos?!

Levantei num pulo e me arrastei sentada até a outra extremidade da cama, assustada em pensar que eu tinha participado de um ménage drogada com duas pessoas desconhecidas. Merda! Por que eu tinha sequer concordado em ir naquela festa idiota?! Ah é; brigadeiro alegre. Mas... Mas... Em minha defesa eu queria deixar claro que faz quase quatro meses que eu não fumo e nem bebo! Bem, ok, agora não faz mais esses quatro meses mas...

A garota se mexeu, provavelmente despertando por causa da minha movimentação sobre o colchão, revelando-me seu rosto. Meu queixo se desprendeu no mesmo instante, enquanto seus olhos piscavam sonolentamente. Desejei com todas as minhas forças ter feito sexo com uma desconhecida.

– Bom dia - falou Scarllet com a voz embargada.

Eu já podia imaginar a cena: minha alma chegando aos portões do céu e conversando com outros mortos:

– Do que você morreu?

– Assalto; tomei três tiros. E vocês?

– Fui atropelado por um trem; morri na hora. E você?

– Morri de vergonha porque transei com a garota mais bonita da minha escola.

E então todas as outras almas ririam de mim. Eu mesma sentia pena.

Enterrei o rosto nas próprias mãos, descrente do que tinha feito. Meu Deus, quanto de culpa eu poderia colocar na maconha?! Toda? Por favor, me diga que sim!

– Ei, tá tudo bem? - a garota perguntou.

– Hmmm... - a outra pessoa  resmungou.

– Ei... - sacudiu levemente meu joelho – O que você está fazendo?

– Estou tentando convencer meu corpo de que respirar é apenas uma modinha passageira.

– O que?!

– Eu quero morrer. - murmurei.

– Ah.

O colchão tremeu e afundou.

– Mas será que vocês não podem falar mais baixo? Minha cabeça está explodindo!

Abri uma fresta entre meus dedos e encarei as pessoas à minha frente. Engoli em seco em ver que aquela voz era mesmo dele: Lennick. O meu caso era pior do que eu imaginara: eu não havia transado chapada com duas pessoas desconhecidas igualmente chapadas. Não, não; eu tinha feito uma suruba com meus arqui-inimigos!

O purgatório estava chorando de tanto rir.

– Adeus, mundo! Foi bom enquanto durou! - falei me deixando cair sobre os lençóis.

– O que há com ela?

– Sei lá, vai ver é ressaconha...

Ergui uma mão para me despedir, mostrando o dedo do meio enquanto sonhava em morrer sufocada com o travesseiro.

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora