Lista de xingamentos (ATT 2022)

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- Aqui - estendi o papel na direção do garoto.

Lennick, que estava sentado num dos balanços da praça que fica perto da farmácia, me olhou confuso. Ele não estava se balançando nem nada, apenas sentado quieto, com cara de poucos amigos e um cigarro na boca.

Ele havia voltado a fumar.

Mordi o labio enquato seu olhar subia dos meus sapatos ao meu rosto, então caindo sobre a folha de sulfite em minha mão.

Tragou o cigarro novamente.

Remexi meus pés inquieta.

- É a tal folha de xingamentos?

Engoli em seco; era assim que eles estavam enxergando as fichas criminais: como uma folha cheia de xingamentos?

- É sua... sua ficha criminal - expliquei com a voz mais baixa do que eu gostaria.

O loiro desviou o olhar para o lado e tragou uma última vez o curto cigarro ja quase totalmente fumado, antes de jogar a bituca no chão de areia do parquinho infantil. Haviam outras duas igualmente caídas e pareciam recentes demais.

- Não quer ver? - perguntei.

Lenny deu de ombros.

- Pra quê? Se você teve coragem de chamar Scar de vadia profissional, tenho certeza que o menor dos xingamentos ai deve ser "babaca".

Engoli em seco.

Ele estava certo, eu era uma pessoa horrível.

Recolhi meu braço.

- Você tem razão. É um amontoado de merda que... que escrevi quando - comecei mas fui interrompida.

- Não estou pedindo explicações, Valentina. Você pode pensar o que quiser e escrever onde quiser. No fim das contas isso diz mais sobre você do que sobre mim.

Desabei dentro de mim. Senti meu corpo caindo ao solo como se pesase uma tonelada, mas meus joelhos se mantiveram firmes. A folha em minha mão estava começando a ficar amassada por causa de toda tensão percorrendo meus nervos.

- E-Eu sei. É so q-que eu achei que... e-eu achei que você tinha o direito de saber. E-E eu também queria poder me explicar. - gaguejei.

Seus olhos azuis e sonolentos encontraram com o meus. Seu cansaço com aquela conversa era quase palpável. E o pior era saber que não era por causa de privação de sono; era excesso de Valentina.

Ele pegou o papel sem muita firmeza, ainda me lançando um longo olhar antes de fitar o que estava em sua mão.

Seus olhos iam correndo rapidamente de um lado para o outro, seguindo as palavras ali datilografadas sem muito entusiasmo, apenas erguendo as sobrancelhas ocasionalmente. Eu fiquei ali, de pé, impacientemente.

Quando terminou, me estendeu de volta, sem esboçar nenhuma reação.

O garoto se levantou e colocou-se a caminhar de volta a farmácia enquanto eu observei sua imagem se afastando. A cada passo que ele dava, uma urgência crescia em meu peito, se embolando em minha garganta e finalmente jorrando pelos meus lábios:

- Lenny, espera! - falei e ele parou - Por favor, conversa comigo. Deixa eu me explicar - supliquei.

O loiro voltou-se em minha direção, esgotado mentalmente. Tão esgotado que chegava a transparecer em seu físico.

- Pra quê? - deu de ombros.

- Porque eu não quero perder sua amizade - respondi espremendo o dedos de uma mão na outra, na esperança que a dor física superasse a dor em meu peito.

O garoto deu um longo suspiro e se aproximou, meneando a cabeça para que eu continuasse.

Tentei engolir o nervosismo mas minha boca estava tão seca que os lábios quase se grudavam aos dentes. Desviei meu olhar para o chão, encarando a areia amarela fofa sob nossos pés.

- E-eu falo sério; não quero perder sua amizade. Eu sei que eu ferrei tudo e que isso é horrível, que eu sou horrível mas... Eu não queria te magoar. Eu juro! Tudo isso que está ai é antigo. E-eu escrevi antes de nos conhecermos, antes de você falar comigo e eu estava sozinha e... E eu me sentia triste e sozinha. E eu tinha inveja. - procurei seus olhos azuis, tentando encontrar ali um pouco de empatia - Eu jamais diria isso hoje. Eu não acho mais nada disso e eu te acho incrível.  Por favor, não me odeie - supliquei por fim.

Lennick deu um passo em minha direção e tocou de leve em meu braço.

- Eu sei, Valen. - falou baixo - Eu também gostei muito mais de você depois de te conhecer melhor. Seria preciso mais do que uma antiga lista de xingamentos pra me fazer te odiar. Mas agora, ficar perto de você me machuca muito. Eu preciso de um tempo, ok?

Confirmei com um aceno débil de cabeça.  Eu entendia, ele tinha toda razão: eu só o estava magoando o tempo todo.

- Quando... Quando esse tempo acabar você me fala?

Lenny deu um fraco sorriso de canto.

- Falo sim. Prometo.

Confirmei novamente com a cabeça, tentando convencer a mim mesma de que ele estava certo mas que ia me perdoar, que era só um tempo, que eu podia aguentar ficar sem ele por um tempo, apenas um tempo. Não seria muita coisa, seria? Só um tempo, eu só precisava esperar e dar a ele um tempo. Ok. Ok.

- Eu vou indo - disse, indicando o caminho de volta a farmácia.

Eu continuei lá, parada no parquinho, vendo sua imagem se afastar tentando controlar minha respiração, tentando pensar que tudo ficaria bem, que Lenny não me odiava,  que ele só precisava de um tempo. Só um tempo. Só um pouco, só ficar longe de mim um pouco. Ficar longe de mim, ele precisava ficar longe de mim, bem longe, ele estava indo embora Lennick estava machucado e estava indo embora, porque eu o machuquei e ele agora vai embora ele está me deixando ele não vai voltar ele nunca mais vai voltar ele não vai mais falar comigo ele me odeia...

- Moça! Moça, está tudo bem? - uma mulher baixinha de meia idade parou ao meu lado, segurando a guia da coleira de seu cachorro preto de pelo curto.

Tentei dizer a ela que sim, que não,  qualquer coisa, mas não consegui. Minha respiração alta, engasgada e rápida demais não me deixava falar nada. Meu corpo tremendo, meu dedos se contorcendo e a visão do céu azul foram as últimas imagens que eu vi antes de desmaiar  com minha própria voz ecoando em minha cabeça que Lennick nunca mais ia voltar.

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Oi
:B
Desculpa se demoro ou se os capitulos tao meio merda e curtos. É que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.
Mas e ai
Quanto tempo, hein?
Como vcs tao?
E as novidades??

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