Granulado Preto e Branco

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Olhei para o relógio: faltavam vinte minutos para a gangue de zumbis com glitter aparecer em minha porta. Desviei para o espelho a minha frente e encarei a garota.

Um vestido preto largo cobria-me até quase os joelhos, com mangas compridas de renda que iam até a metade de minhas mãos. Era claramente vários números maior do que eu de fato vestiria, mas isso significava mangas mais longas. E eu fazia qualquer coisa por roupas com mangas mais longas.

Suspirei. Não estava anti-social o suficiente. Procurei na gaveta mais baixa do guarda-roupa até encontrar e então meti-me dentro de um par de meia-calças pretas, esticando-as sobre as pernas até a cintura. Olhei a garota do espelho; ok, estava melhorando.

Prendi os cabelos com a mão no topo da cabeça, tentando imaginar se melhoraria com um penteado simples. Ficou uma merda. Soltei os cabelos novamente e voltei a suspirar, já cansada mentalmente em pensar em como minha noite seria horrível.

Joguei-me de costas em minha cama, mas no momento em que toco os lençóis, a campainha soa. Ergo-me em meus cotovelos e confiro o relógio na prateleira.

19:42.

Mas já? Eles estavam 18 minutos adiantados.

Pego meus velhos All Stars surrados e desço as escadas correndo e gritando:

- Pode deixar que eu atendo! Dá licensa, mãe - digo largando meus sapatos ao lado do sofá e me apressando em chegar à porta antes de minha mãe, que estava fascinada ante a ideia de que eu não só tinha amigos de verdade, como também até saía com eles.

Girei a maçaneta e afastei a madeira para me deparar com a imagem do garoto parado. Hesitei por um momento entre continuar ali ou simplesmente fechar a porta em sua cara. Por fim, mantenho-me lá. Mas com a mão a postos para qualquer necessidade.

- O que... faz aqui?

Sem convite, ele aproxima-se da porta enquanto eu, por impulso, me afasto, e entra em minha casa.

- Gostei do vestido - observa. - Preto é, tipo, sua happy color, né?

- Mas... - solto sem saber ao certo o que dizer.

O garoto confere o relógio preto velho e descascando no pulso, que parece combinar perfeitamente com todo o resto de sua roupa rasgada e desbotada.

- Cê disse oito horas, não foi?

Pisquei algumas vezes, muda.

- Gabriel! - ouço a voz de minha mãe e desviamos nossa atenção para o outro lado da sala, onde sua imagem surge sorridente e visivelmente surpresa.

Ela escaneia o garoto de cima a baixo, demorando-se um certos lugares e eu sei bem o que isso significa. E odeio-a por isso. Atravessa o cômodo e vem em nossa direção, com a mão estendida.

- Como você está, querido? - pergunta cumprimentando-o.

- Muito bem, Beth - responde sorridente e minha mãe me lança um olhar que apenas eu saberia decifrar.

Beth.

Nada de sra Mullër ou dona Elizabeth. Ele, um adolescente, tratou-a apenas como Beth. E ela não suporta isso.

- Então você e Valentina são amigos? - pergunta com as sobrancelhas erguidas.

Sei o que ela está pensando: por que o garoto branco, loiro e educado foi substituído pelo adolescente problemático do bairro e de pele escura manchada?

Meu Deus, como eu a odeio agora!

Gabriel lança-me um olhar divertido, parecendo não perceber o que está acontecendo ali, mas sim pensando que é apenas a boa vizinha surpresa e sugestivamente preocupada com os namoradinho da filha. E, sinceramente, não consigo decidir de quem tenho mais pena: do tolo iludido, da adulta julgadora ou da cúmplice silenciosa.

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora