Existem dois tipos de silêncio: o confortável e o incômodo. O silêncio confortável normalmente se dá entre amigos, à vezes, familiares, como uma bolha de cumplicidade que cerca do mundo exterior e envolve em intimidade milhares de olhares e pensamentos que não precisam de palavras para serem decifrados. É mais ou menos o que eu sinto com Mike. Já o silêncio incômodo é asfixiante. Ele invade o ar e preenche com vapor quente, sufocando rapidamente; a mente e os olhos começam a arder, se espremendo para encontrar qualquer palavra que possa cortar essa corda imaginária em volta dos pulmões. Esse era o silêncio entre mim e Scarllet.
Normalmente eu prefiro que as pessoas fiquem caladas a falarem idiotices, mas naquela hora eu aceitaria qualquer merda saindo da boca avermelhada dela, contanto que cortasse a corda.
Depois de mais um quarteirão bancando a múmia, ela pegou uma tesoura:
– Tudo bem. - suspirou e assim cravou-a no meu peito com sua santidade.
– Tudo... Bem? - perguntei descrente.
– Sim, tudo bem. - soltou com uma voz transbordando corformismo. Por Deus, ela não se cansava de esfregar sua superioridade na minha cara?!
– Me xinga. - soltei com voz igualmente desanimada.
– O que?!
– Me xinga, caramba!
– O que?! Mas por que? Não!
– Pra ficarmos quites! Eu roubei sua caneta, você me xinga e fica tudo por igual.
– Eu não vou te xingar!
– Anda logo!
– Eu disse não, Valentina!
– Será que você não me ouviu direito? Eu disse que roubei sua caneta rosa favorita! - parei e segurei seu braço – Por que não quer me xingar?!
– E por que você quer tanto que eu te odeie? Hein?!
– Eu não quero que você me odeie. Você já me odeia!
– Eu não te odeio! Mas que ideia, Valentina!
Revirei meus olhos. Quando será que ela ia perceber que não precisava continuar com toda essa bondade falsa?
– Ah, claro! Você não me odeia. Eu só roubei sua caneta, atrapalhei sua noite de sexta e ainda assim você que ser minha amiga.
A garota segurou em meus ombros e falou professoralmente:
– Eu. Quero. Ser. Sua. Amiga.
Soltei-me de suas mãos chacoalhando como um boneco de posto e pus me de volta a caminhar. Mas que merda! O que havia de errado com todas as pessoas? De repente todo mundo queria ser amigo da Valentina? Eu tinha herdado uma grana e não estava sabendo ou o quê?!
– Valentina! Espera! - chamou enquanto vinha atrás de mim.
– Vai se ferrar! - desejei-lhe já ficando irritada.
Mas assim como seus chaveiros barulhentos, Scar era igualmente irritante e insistente. Colocou-se a minha frente impedindo meu caminho e segurando em meu ombros; todo aquele excesso de contato já estava me dando dos nervos.
– Qual é o seu problema, garota?
Empurrei-a.
– Eu poderia fazer uma lista de vinte minutos, mas, pra ser exata, nesse exato momento meu problema é você! - tentei voltar a caminhar mas seu corpo a frente do meu como um espelho me impedia.
– Eu?! Mas o que eu fiz pra você me odiar tanto, hein? Eu estou tentando ser legal com você, ser sua amiga, te ajudar com a lição e..
– Ah claro! Você é perfeita, não podemos esquecer disso! - soltei em meu tom mais zombeteiro – Então por que você não pega seu corpo perfeito e volta pra sua casa de bonecas com sua família maravilhosa nessa sua vida perfeita e me deixa em paz?
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Guia Prático Para Um Suicídio De Êxito
Teen Fiction#1 em Guia (24/11/2018) Valentina é uma garota de 16 anos que está escrevendo um livro diferente: um guia de suicídio. Para isso ela pesquisa e testa em si mesma diferentes formas de tirar a própria vida. Há quem diga que a garota é fraca por não...