Orquídeas Alcóolatras

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- Só mais um pouco de iluminador nesse rosto e... Espera... Pronto! Voilà, mademoiselle! Si ce n'est pas l'une des plus belles créatures que Dieu a créées!?

Olhei para a garota com a cara emburrada - não gostava quando ela usava francês, fazia com que eu me sentisse burra.

Scar rolou os olhos e me entregou um pequeno espelho enquanto traduzia.

- "Aqui, senhorita, se não é uma das mais belas criaturas que Deus criou!?"

Foi a minha vez de rolar os olhos pouco antes de fitar meu reflexo no espelho. E ok, com certeza não era uma das mais belas criaturas de Deus. Na verdade passava bem longe de "bela criatura", mas... Mas não estava me sentindo tão ridícula quanto achei que fosse estar. Estava até... bom.

Deixei meu reflexo de lado por um instante e Scar estava me olhando de um jeito convencido, como se soubesse bem o que se passava em minha mente.

- Não está de todo mau! - admiti um pouco irritada porque, por algum motivo, meu rosto estava esquentando.

- Aham, sei... Você está uma gata, Valen! Eu só vou prender meu cabelo e nós saímos, ok?

Confirmei e fui me olhar no grande espelho do guarda-roupa, alisando de leve os tecidos das roupas de Scarllet em meu corpo. As duas vestidas de preto como aspirantes a roqueiras, com cintos e vários colares de correntes. Tínhamos quase a mesma altura, quase o mesmo peso, quase o mesmo corpo, mas nem de longe éramos parecidas. Ali, parada, usando suas roupas, ficava claro que elas não eram minhas, mesmo que eu as tivesse escolhido, mesmo que fossem as poucas roupas pretas que ela tinha, mesmo sendo o tipo de coisa que eu usaria, mesmo, mesmo, mesmo... Mesmo assim, nada parecia encaixar perfeitamente. Como se o destino dissesse "Hey, você vai poder usar, mas nós vamos sempre te lembrar que nada disso foi feito para você, nada disso vai ficar perfeito em você como fica nela".

- Pronto! Vamos? - seu reflexo perguntou ao meu - Nossa, é tão estranho me ver assim! Eu nunca pensei que usaria isso aqui - falou apontando para a camiseta do Led Zeppelin que estava usando. Era de Lennick e estava lá da época que eles namoraram ou coisa do tipo.

- Ficou muito melhor sem as mangas! - brinquei fazendo uma tesoura com os dedos.

Descemos as escadas rindo e comentando sobre alguns detalhes dos disfarces de adolescentes revoltados que estávamos vestindo, até encontrarmos com a senhora Knightley no sofá de encosto baixo da sala, perto da porta. E eu quase podia jurar que a mulher, por um segundo, ganhou expressões faciais ao nos ver no auge da moda do luto.

- Scarllet... - soltou pasma - O que aconteceu, querida? Por que está vestida assim?

- Ah - a garota me lançou o olhar de cumplicidade e fizemos uma pose espalhafatosa no meio da sala, seguindo com nosso plano - Arte é moda, moda é arte. E se é isso que o público clama, então é isso que vamos usar!

- O quê?!

- A peça, mãe! Lembra? - voltamos a pose de pessoas normais - Estamos ensaiando uma peça de teatro, até Lennick veio ensaiar aqui outro dia - falou fazendo menção ao traidor com roupas de mulher na fatídica última ceia.

- Ah.. Oh! Bem... É ótimo ver vocês tão empenhadas - mentiu. Ela estava odiando ver sua pequena princesa andar com a ogra que eu era - Bem... Divirtam-se no ensaio, meninas. Mal posso esperar para ver o resultado dessa... Obra-prima. - soltou amargamente.

E antes que sua mãe pudesse nos fazer mais alguma pergunta, corremos para fora de sua casa, gargalhando de nossas maravilhosas interpretações que certamente valeriam um Oscar.

- Só vamos precisar pensar em uma desculpa quando chegar a hora dessa nossa peça!

- A gente diz que brigou com o resto do elenco idiota e largamos aquele espetáculo burguês hipócrita!

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora