Porões inundados do Titanic

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Depois de passar a semana inteira me esquivando e escondendo do babaca, finalmente eu pude respirar o ar puro da liberdade: sexta-feira era seu nome.

Sai pelos portões da escola e parei na calçada, erguendo meu olhar ao céu enquanto decidia se seguia direto para casa ou se visitava meu novo cúmplice. Acabei me decidindo por seguir o caminho da ruína que levaria à segurança e paz.

Caminhei pelo Saara asfaltado até chegar ao maravilhoso oasis, sem me esforçar em fingir indecisão para entrar. Mergulhei no ambiente gelado graças ao incrível ar condicionado, parando apenas por um segundo para agradecer mentalmente a seja lá quem for que tivesse inventado essa gloriosidade.

Deus, abençoe o inventor do ar condicionado e todos os seus descendentes. A menos que eles sejam uns babacas, ai não precisa não, ok?

Me enfiei entre os corredores de xarope e logo avistei ao fundo aqueles olhos castanhos de cílios alaranjados.

- Você voltou! - Mike soltou amistoso detrás do balcão.

- Tive que voltar. Não achei band-aids legais em nenhum outro lugar. Minha teoria é de que você suborna a máfia italiana para ser o único na cidade a vendê-los.

Mike soltou uma curta risada baixa, mas que, em compensação, era acompanhada por um largo sorriso.

- Eu diria que foi um esforço válido.

Dei de ombros para não sorrir. Mike até que era legal. Quer dizer, para um famacêutico tão enxerido quanto os moleques de Scoody Doo.

Remexi meus dedos dentro dos bolsos do casaco.

- E então, o que é que vai ser hoje?

- Sabe, eu tava só passando por aqui e tipo, eu vi da rua a farmácia e lembrei de você, aí tipo... Eu pensei... Será que... - tentei falar sem que parecesse uma coisa grande, mas a verdade é que era um pouco mais difícil do que eu imaginara que seria.

- Agora é minha hora de almoço, Valentina... - intertompeu meu discurso fadado ao fracasso - Lennick está terminando e logo vai assumir o balcão.

- Ah... Ah, minha nossa, me desculpe, e-eu não queria atralh...

- Você já almoçou? O que acha de me acompanhar?

E como se fosse uma palavra mágica, ao ouvir a menor menção sobre comida, meu estômago se revirou dentro do meu corpo. Eu ousaria até mesmo dizer que, caso eu demorasse mais um pouco para comer, um alien voaria para fora da minha barriga arrancando minhas tripas junto!

Um pouco sem graça pela forma como me despedi de Mike da última vez, eu aceitei seu convite. Até porque eu não tinha outra opção, quero dizer, não havia como negar àquilo por motivos de:

1- Mike era ruivo. Quando mais eu teria a oportunidade de almoçar na presença de uma tocha humana?

2- Querendo ou não, Mike sabia meu segredo. E com certeza era melhor tentar ser sua amiga e mantê-lo sob controle.

3- Cara, ele era formado! Tipo assim, ele tinha um diploma e coisas do tipo... E isso merece algum crédito!

Então, depois de ligar para minha mãe e avisar que voltaria mais tarde (prometendo que iria comer "comida de verdade, não essas besteiras de fast-food e fritura, ouviu bem, mocinha?"), Mike e eu fomos ao Mc Donalds que havia ali perto e pedimos dois lanches para viagem. Ao voltar, seguimos para uma copa na parte detrás da farmácia enquanto o babaca do seu primo cuidava do balcão. Ela era pequena e provavelmente branca demais para o meu gosto, a não ser pelo ponto acinzentado que era a mesa de granito no meio. E bem, eu e Mike, que éramos um ponto preto e outo laranja em meio a toda aquela assepsia.

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