Oasis perdido

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Aula de biologia e um dedo cutucando o meio das minhas costas; isso só podia significar uma coisa:

- Estou ocupada - falei sem levantar a cabeça ou sequer abrir os olhos. Era a hora do meu cochilo matinal, ou, como eu preferia chamar, meu sono da paciência.

Ter amigos era física e mentalmente desgastante, como eu acabara por descobrir. Por isso eu precisava recarregar minhas reservas de paciência sempre que possível.

Ouvi sua risada nasalada como uma confirmação.

- Mas você nem sabe quem é - cochichou.

- Lennick Williams, mais conhecido como Lenny, também chamado de atrapalhador de sono.

Suas mãos grandes começaram uma massagem desleixada em meus ombros, me deixando ainda mais preguiçosa em mover as pálpebras.

- Vamos lá, Valen-baby, acorde que o amor da sua vida precisa falar com você.

- Mike pode esperar até a aula acabar - respondi e pude ouvir novamente sua risada baixa.

- Eu disse o amor da sua vida, não o amor da vida de Elinor. - falou e o novo nome entrou rasgando em meus ouvidos.

Abri um olho. O garoto sorria ladino. Ajeitei-me melhor, interrompendo sua massagem.

- Quem é Elinor? - perguntei virando-me para o garoto.

- A noiva do Michael... ué.

Olhei rapidamente para a lousa parcialmente coberta de giz colorido em que o professor continuava a desenhar complexos de Golgi. A sala inteira conversava num tom não muito alto enquanto copiavam lentamente a matéria.

Voltei-me para Lennick.

- Bem... Eu meio que já sabia disso.

- Ah, então é sobre isso que vocês tanto conversam sozinhos? Sobre Elinor? Ou sobre o jantar de noivado?

- Que... jantar?

O sorriso em seu rosto estava cada vez maior. Apoiou a bochecha na mão e pegou uma fina mecha de meu cabelo entre os dedos.

- O jantar que Michael vai dar para apresentar Elinor a todos da família oficialmente como sua noiva.

Noiva.

NOIVA.

N.O.I.V.A.

Porque Mike ia casar.
Porque Mike usa uma aliança.
Porque Mike ainda não percebeu que talvez tenha coisa melhor pra ele por ai.

Travei o maxilar tentando não deixar que Lenny percebesse o quanto aquela notícia me abalava, embora ele imaginasse.

- Mas o que é que você queria falar comigo?

- Então eu sou mesmo o amor da sua vida? - perguntou e eu rolei os olhos.

- Desculpe, é que eu pensei ter ouvido o horror, não amor.

Como resposta apenas recebi um largo sorriso idiota do garoto, que estava espetando minha cara com a mecha de cabelo.

- O que você fez no cabelo? - perguntou ainda brincando com meus fios.

- Scar tentou fazer cachos - expliquei. Minha amiga tinha passado horas enrolando minha velha chapinha em minhas madeixas. Porém agora, depois de dias sob o calor do fim da primavera, haviam apenas lembranças das ondas.

- Eu gostei dele assim.

- E eu não poderia me importar menos. - falei dando um tapa leve em sua mão para que largasse meu quase-cacho. Ultimamente Lennick estava muito... carinhoso. Sempre me dando abraços longos e mexendo em meu cabelo. E isso era estranho demais.

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora