Patinha quebrada

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Inspiro bem fundo antes de bater três vezes na madeira a minha frente.

Loucura! Isso é pura e genuína loucura! Que diabos eu estou fazendo?

Depois de poucos instantes em absoluto silêncio, solto o ar lentamente, percebendo que meu plano estava dando errado, mas, ao mesmo tempo, que isso me livraria de muita merda.

Certo ou errado, não importava meu resultado naquela missão, eu ia acabar ferrada.

Virei-me pronta para dar o fora dali o mais rápido possível, quando escuto o ranger do portão velho e logo em seguidas uma voz praguejando:

- Mas que caralhos cê quer agora?!

Congelo no mesmo lugar.

Bem - penso imóvel - pelo menos é essa voz, e não aquela.

Engulo em seco e me viro lentamente, me deparando com a imagem do garoto semi nu encostado no batente e segurando o portão. Havia um cigarro de maconha majestosamente enrolado e preso atrás de sua orelha, além de um par de óculos de grau totalmente inesperados em seu rosto. Mas, para falar a verdade, tudo naquele garoto era de certa forma inesperado. Até mesmo as formas distorcidas que eu tentara me preparar para encontrar.

- Hey, e aí? - acenei ridiculamente envergonhada. - Tudo belezinha?

Não houve saudação em resposta, então decidi tentar extrair alguma palavra; se ele conversasse comigo significaria que seu humor estava bom.

- Bem... E aí? Que que você anda fazendo? Muitas festas e tal? Tipo aquele dia, nossa, foi muito zoado, né?! - dei uma risada que saiu mais nervosa do que eu gostaria - E o seu amigo? Brandon, né? Olha, vou te contar, acho que ele tem tipo uma puta quedinha pela Scar, viu?

Nada.

O garoto apenas ficou me encarando como se eu estivesse tentando vender a pior apólice de seguros de trailler do país. Parado do mesmo jeito desde que aparecera, piscando lentamente para deixar bem claro seu tédio em me escutar tagarelar qualquer besteira.

Seus cílios e a maior parte de seus cabelos eram pretos, mas aquela mecha grisalha na lateral atraía a atenção como se colocada de propósito por um cabelereiro inexperiente. E uma grande mancha branco-rosada no peito, que subia até o pescoço, esgueirando-se pela lateral, como se um tornado apocalíptico estivesse sugando um continente inteiro até torcer em uma espiral...

- O nome é vitiligo - Gabriel finalmente irrompe, como se pudesse ler meus pensamentos, e eu desvio o olhar para seu rosto. - Essa porra na minha pele, isso é vitiligo.

-E-Eu não estava... - tento gaguejar uma desculpa o mais rápido que posso.

- Cê tava sim.

Desvio o olhar para o chão, sabendo que seria ainda pior continuar negando.

Sim, eu estava encarando.

Gabriel dá um passo cansado em minha direção, deixando transparecer as toneladas de esforço mental que precisava gastar para manter-se ali comigo. Para a poucos centímetros de distância, com seus ombros intimidadores na altura de meu rosto. Num movimento não muito rápido, mas totalmente inesperado, pega uma de minhas mãos e coloca aberta sobre seu peito bicolor e segura firme lá.

- Pronto: agora você pegou vitiligo também!

Puxo minha mão bruscamente e a encolho em meu peito como se eu fosse um animal com a patinha quebrada. Já o ser humano a minha frente ri descontroladamente.

- Sua idiota! Vitiligo não se "pega" de alguém - fala e então eu percebo como, embora eu saiba bem pouco sobre a doença, eu sabia disso. De fato sabia que não era algo contagioso. Ainda assim, saber isso não conteve meu impulso irracional.

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora