Castigo da Barbie

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– E como foi?

– O que?

– As centenas de olhares de pena que você recebeu até chegar aqui. Não disse que odeia isso? - Mike falou enquanto enrolava a bandagem no meu pulso; Lennick estava parado apoiando o corpo lateralmente no batente, com os braços cruzados sobre o peito, apenas observando tudo calado.

Dei de ombros.

– Foi estranho, porque... Ninguém me olhou com pena, na verdade.

O mais novo ergueu uma sobrancelha sem comprar o que eu dizia, ranzinza como um velho e sarcástico como um adolescente.

– Eu duvido muito, Val.. - falou colando a ponta com aquela fita estranha que eu nunca conseguia lembrar o nome.

Admirei seu trabalho; nada mal! Uma munhequeira branca e estável? Até que tinha algum estilo!

– Sabe... Foi engraçado. Dezenas de pessoas pararam ao meu redor da vez que eu desmaiei no ponto de ônibus no centro, todas preocupadas em saber se eu não tinha me machucado e tudo mais, mas... A única preocupação que tinham quando me viam correndo com o braço e o sangue, era de desviar para que eu não as tocasse e não as sujasse.

Os primos trocaram um olhar. Eu deveria me importar? Eu deveria ter captado algo?

– Se eu desenhar uma estrela náutica aqui acho até que vou conseguir escutar Simple Plan sem chorar! - brinquei, mas ninguém além de mim riu da minha ótima piada.

Mike suspirou pesado enquanto voltava a guardar todos os apetrechos de volta na caixa plástica branca de primeira socorros. Não sei ao certo o porquê, mas parte de mim queria que ele tivesse usado a linha de aço para dar os dois pontos.

– Lenny! - o ruivo chamou suave – Vai cuidar do balcão, por favor.

– Daqui eu consigo ver o balcão
- o babaca respondeu irritado.

– Eu sei mas... Eu preciso que você vá cuidar da loja por mim, um pouco. Prometo ser rápido.

E ele foi. A contragosto e bufando como um touro, mas foi. Eu continuava sentada de frente para Mike na mesma cadeira da copa em que almoçamos dias atrás, sentindo meu estômago se remexer e tentando domar os fios rebeldes dos meus cabelo embaraçados que com certeza pareciam a juba de um leão.

– O que você vai dizer? - soltou sem mais explicações assim que ficamos sozinhos.

Olhei rapidamente ao redor, tentando encontrar o sentido de mais essa frase inesperada que meu amigo tanto gostava de jogar no ar. Prendi a franja atrás da orelha.

– Sei lá... Talvez um "Valeu, Mike, você é o melhor"? - falei fazendo joinha com o polegar.

O homem começou a esfregar as mãos no rosto impacientemente, principalmente na barba curta e grossa que começava a crescer em seu maxilar. Ela era mais clara que seu cabelo e isso era de fato algo para se prestar atenção se acontecia com todos os ruivos ou se era só Mike que era especial mesmo.

– Não, Valentina, você sabe o que quis dizer: estou falando dos seus pais! Você não pode sair correndo de casa e voltar com um pulso enfaixado e achar que ninguém vai perceber!

Foi então que eu finalmente entendi o que diferenciava as pessoas ruivas do restante da população: elas nasciam velhas. Mike já nascera adulto, com mente de adulto e problemas sobre administração e impostos; ele não passou pela adolescência e toda essa merda, quero dizer, que outra explicação teria para ele realmente achar que eu, em meio a minha pseudo-crise adolescente-rebelde-sem-causa, não conseguiria esconder o pulso por, sei lá... Um mês? Era o cabelo! O cabelo laranja como fogo era o indicativo de que aquela pessoa com característica física tão rara não era mesmo comum: ela era um ser de uma raça superior que jamais experimentara as frustrações de ser jovem e portanto não fazia ideia de como era ser adolescente. O curioso caso de Mike Button. E o cabelo laranja era a pista!

Guia Prático Para Um Suicídio De ÊxitoOnde histórias criam vida. Descubra agora