Sentada no sofá da sala, eu espiava minha mãe na cozinha, preparando o almoço enquanto cantalorava uma música antiga.
O cachorro estava calmo - pensei. Talvez até um pouco calmo demais, Valentina... Não, nada disso! O cachorro está adormecido, eu posso simplesmente atravessar o quintal e sair. Você pode correr do cachorro até o portão, Valentina. Você deve!
Voltei a observar minha progenitora cortando legumes com a grande faca.
Grande, lisa e o melhor: afiada. Bem afiada. Perfeita para cortar...
Balancei a cabeça para tirar, por hora, qualquer pensamentos sobre o Guia da minha cabeça, e fui até ela. Parei ao seu lado, observando a comida espalhada sobre a pia, tentando disfarçar pegando uma batata.
- Oi mãe, a senhora vai fazer batata? Sabe, eu adoro batata. Principalmente batata frita! Vai fazer batata frita?
Lançou-me um olhar de esgueira.
- O que você quer?
Coloquei a mão sobre o peito, pasma e horrorizada sobre o juízo que ela fazia de mim.
- Estou ofendida!
- Quando você vem assim, é porque quer algo. Vamos, diga.
Ok... Talvez fosse verdade... Talvez eu quisesse mesmo algo. Ela me conhecia bem.
Larguei a batata.
- Tá, beleza. É que hoje é o aniversário do Patrick... A senhora lembra do Patrick? Lembra? Acho que ele já veio aqui uma vez... - comecei a mentir - Ótimo garoto, ótimo garoto. Sempre tão divertido e simpático... Mas não excessivamente simpático, ok? - fiz questão de frisar isso, para que minha mãe não tornasse Paty Maionese meu próximo pretendente - E tipo, ele andava meio desanimado, acho que por causa do fim da escola e...
A mulher largou o utensílio, apoiando a mão na cintura.
- Chega de enrolação, o que está aprontando?
- Eu? Aprontando? Nada! Não estou aprontando nada, mãe!
- Então...
- Então... É que é aniversário dele e os pais dele vão fazer uma festinha, coisa pequena, só um bolinho e poucos amigos... É que ele anda meio triste, sabe? E então... Sabe, eu nem ia porque queria lavar o cabelo, mas pelo meu amigo eu fico de cabelo sujo, se isso o deixar feliz e... Bem... Eu posso ir?
Ela voltou a cozinhar, apenas me lançando um olhar de esqueira.
- Fale com seu pai.
Rolei meus olhos e me arrastei escadas acima, bufando em descontentamento. Será que ela não podia apenas dizer "Claro, filha! Aqui está cinquentinha; leve e divirta-se!" uma vezinha na vida?!
Da porta do escritório do meu pai eu analisei o cachorro. Calmo, acanhado, tão tranquilo que ninguém jamais imaginaria o quanto era capaz de machucar.
- Ô pai! Tem uma festa hoje, posso ir? - falei resumidamente. Meu pai não gostava de rodeios.
- Já falou com sua mãe? Só se sua mãe deixar.
E lá estavam eles, usando suas artimanhas para me fazer desistir de qualquer coisa que fosse. Era sempre assim, nas pouquissimas vezes que eu tentara me enturmar eu fui barrada pelo ping-pong do "pergunta pra sua mãe, pergunta pro seu pai". Eu ficava me perguntando se de fato todos os outros pais eram como os meus, já que era assim que os pintavam nos filmes. Vai ver eles aprendiam essas coisas na Faculdade para Pais, tinham matérias de Como estragar os planos dos filhos. Quero dizer, que outra explicação seria possível para que todos agissem assim a não ser que todos fizessem um curso obrigatório pelo governo antes de terem filhos!?
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Guia Prático Para Um Suicídio De Êxito
Dla nastolatków#1 em Guia (24/11/2018) Valentina é uma garota de 16 anos que está escrevendo um livro diferente: um guia de suicídio. Para isso ela pesquisa e testa em si mesma diferentes formas de tirar a própria vida. Há quem diga que a garota é fraca por não...