– Precisa de ajuda?
Desviei minha atenção das duas caixas de curativos em minhas mãos para a dona da voz. Parada ao meu lado estava uma funcionaria da farmácia com seu uniforme claro, longos cabelos castanhos presos num rabo-de-cavalo e um sorriso simpático nos lábios. Voltei a fitar o Ben10 e a Hello Kitty estampados nas caixas que eu segurava.
–Hummm... - murmurei perdida, logo bolando um plano novo em minha mente, virando-me sorridente para a mulher – Sim! Puxa, ainda bem que você apareceu... - procurei por seu crachá com nome – Sarah! Minha mãe me mandou uma lista de coisas pra comprar, reabastecer nossa caixinha de medicamentos, sabe como é, né? E eu estou tendo um pouco de dificuldade para encontrar tudo.
Sarah confirmava com a cabeça, parecendo feliz em poder ajudar. Gostei dela.
– Será um prazer ajudar, é só me falar o que precisa.
Olhei para a cestinha no chão: gaze, vitamina C, solução de iodo, hidratante Neutrogena. Encarei o Ben10 com cara de idiota - por que ele vivia implicando com a prima? - devolvi-o para a prateleira. Encarei a Hello Kitty e seus laços - nunca se deve confiar num animal sem boca - devolvi-a para a prateleira.
– Por acaso você tem outros?
– Oh, sim! Nós temos curativos beges, da My Little Poney, dos Minions, retangular, incolor...
– Não, tipo... da Marvel ou do Shrek, sabe? Tem algum do Homem-Aranha?
Sarah piscou surpresa.
– Bem... não. As crianças costumam preferir a Galinha Pintadinha - respondeu meio sem jeito, enquanto balançava uma caixa com a ave idiota estampada na frente do meu rosto.
Droga! Aquela farmácia estúpida era um desperdício de espaço! Quem em sã consciência ia colar um adesivo duma galinha azul no próprio filho? Aquilo era absurdo!
– Precisa de mais alguma coisa? - perguntou me tirando do meu devaneio revoltado contra a animação infantil. Suspirei.
– Sim, eu, humm... Preciso de duas cartelas de aspirinas.
– Ficam no corredor à direita. Mais alguma coisa?
– Humm... Eu acho que não. Obrigado. - respondi me virando para seguir meu caminho, mas Sarah não parecia disposta a me deixar ir tão fácil assim.
– Já possui o cartão da loja?
Dei meia volta e encontrei o mesmo sorriso nos lábios de Sarah. Mas então eu reparei algo que não tinha visto no primeiro momento: ganchos invisíveis - o sorriso dela era preso no rosto. Sarah odiava aquele emprego, odiava ter que prender os cabelos que tanto hidratava, odiava dar informações sobre laxantes e, principalmente, odiava ter que oferecer cartões de vantagens para clientes ridículos todos os dias. Sarah me odiava e em sua mente estava descarregando o pente de uma submetralhadora descontroladamente por todos os lados da farmácia. Seu sorriso forçado tremeu. Sem responder a sua pergunta, dei meia volta e me afastei o mais rápido possível de Sarah, a farmacêutica psicótica que me assassinava em sua mente. Sarah não era gentil; ela usava uma máscara de simpatia que só pessoas que faziam o mesmo poderiam perceber. Eu percebi.
Paguei por minhas compras com o cartão de crédito da minha mãe e joguei tudo na mochila. Do lado de fora, parada na calçada, tentando me decidir se visitava Mike mais uma vez aquela semana ou não, eu praguejei em pensamento contra o sol novamente. Por que tinha que fazer tanto calor? Merda! Puxei as mangas do meu moletom sobre os braços, me certificando de cobrir totalmente minha pele e segui o caminho dourado que não levaria a minha casa encantada. Durante o trajeto, mastiguei despreocupadamente uma pastilha de vitamina C como se fosse um biscoito.
As portas automáticas de vidro abriram me banhando com o típico ar frio dos ambientes selados por ar-condicionado, e eu adorava aquilo. Me esgueirei até o corredor que eu sabia ficar os meus curativos favoritos: super heróis. Peguei uma caixa e segui para o balcão, me preparando mentalmente para algum possível debate com Mike. Quão grande não foi minha surpresa ao encontrar outro rosto em frente às prateleiras de algodão.
Dois pares de olhos se arregalaram: os dele e os meus.
– Boa tarde...
– Onde está o Mike?!
– Quem a senhorita... - não deixei que ele terminasse.
– Onde está o Mike?! - insisti, encarando-o diretamente. Não sei de onde isso tinha surgido, mas minha vergonha em olhar nos olhos das pessoas parecia ter se escondido debaixo do tapete, porque eu não conseguia desviar daquelas orbes azuis a minha frente. Quê caralhos estava acontecendo???
– Mike? Você ta falando do Michael?
– Michael, Mike, tanto faz! Onde ele está? O que você fez com ele?!
– Eu o quê?! Ele está almoçando...
– O que você faz aqui?
– Eu trabalho aqui! - respondeu ríspido.
Aquilo só podia ser brincadeira, pegadinha! Lennick Willians trabalhando no único lugar onde eu encontrava meus escudos dos Vingadores e Liga da Justiça? Lennick Willians trabalhando na farmácia do Mike? Lennick Willians trabalhando?!
Saí correndo - a mochila num dos ombros e os band-aids na outra mão.
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Guia Prático Para Um Suicídio De Êxito
Genç Kurgu#1 em Guia (24/11/2018) Valentina é uma garota de 16 anos que está escrevendo um livro diferente: um guia de suicídio. Para isso ela pesquisa e testa em si mesma diferentes formas de tirar a própria vida. Há quem diga que a garota é fraca por não...