Capítulo 1 - o encontro

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2895 palavras

"A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace." Victor Hugo

Música do capítulo: tudo diferente — Maria Gadú

Mainá com certeza me mataria! Ela me pediu para ir apenas comprar peixes e eu arranjei uma grande confusão no Porto! Como pude confundir bacalhau com robalo?

Eu prefiro mil vezes meus livros a essas atividades, mas não temos outra alternativa. Apesar de formado, não posso dar aulas, pois somos páreas e, para as pessoas da cidade, somos quase considerados ciganos.

Nossa mãe morreu misteriosamente, nosso pai desaparecido. Todos nos culpavam.

Só sobrevivíamos, pois os fregueses da venda era, em sua maioria, estrangeiros. Se não fosse por isso passaríamos fome.

Me sinto péssimo. Eu deveria ser o provedor da casa e mal consigo comprar peixe! Devido ao meu problema respiratório que o médico disse ser coração, tenho passado minha vida toda vivendo com restrições e isso tornou meu corpo bem fraco e pequeno, mesmo melhorando após adulto.

Meu Deus, por que estou chorando as pitangas da minha vida toda em meus pensamentos? Vai adiantar algo? Eu deveria ter uma mente menos acelerada e distraída, mas definitivamente não consigo! Que inferno!

Vou me apressar para não deixá-la sozinha na venda, afinal....

— Aiiii! — me trombo com uma muralha bem a minha frente.

Apesar de ser um homem visivelmente asiático, ele era bem grande e forte. Ou sou eu que sou pequeno? Não, ele era enorme e forte mesmo, concluiu o rapaz olhando para cima. Tinha cabelos negros e lisos, parecia ter a altura dos ombros amarrados em um rabo de cavalo, olhos negros e puxados, lábios carnudos e vermelhos, nariz afilado e um queixo quadrado. Era um belo homem.

Senti meu coração acelerar, mas logo reprimi o sentimento. Isso nunca me trouxe nada de bom. Diferir dos outros em diversos aspectos já dificulta minha vida, o suficiente, mas eu ainda consegui dificultar ainda mais gostando de rapazes no lugar de moças. Sempre guardei isso em meu coração, pois sei que a sociedade ia me aceitar menos ainda.

Foi bem estranho para mim no início quando descobri que me sentia atraído por homens e não por mulheres. Obviamente ninguém poderia saber. Nem sei porque sempre me senti assim, mas desde aquele encontro com Daniel que acabou em desastre nunca mais pensei em amor...

Perdido em meus devaneios, não percebo que o homem está falando comigo em um português carregado de sotaque.

— Senhor, o senhor está bem? Se machucou? Me perdoe, acabei te derrubando. Deixe-me ajudá-lo a levantar sim? — O homem enorme me levantou como se eu fosse mais leve do que uma pena.

— E.. Eu estou bem, sim, obrigado! Peço desculpas ao senhor, estava distraído. Se me der licença.... — fiz um breve cumprimento e andei o mais rápido que pude sem ter um treco.

Eu melhorei bastante com o tempo, mas ainda sinto muita falta de ar quando fico ansioso ou corro muito.

Meu coração batia acelerado. Eu realmente tenho que parar de ler os folhetins de Mainá. Está afetando meu juízo. Outra coisa que eu sempre me perguntava era como alguém tão pragmática gostava de livros como aquele.

Caminhei rapidamente em direção à venda para ajudar Mainá com os fregueses. Logo seria a hora do almoço.

Chegando lá ouço - a cantando e dançando como uma criança enquanto varre a venda, alheia a tudo e a todos até que nota minha presença:

O canto do rouxinolOnde histórias criam vida. Descubra agora