Capítulo Onze

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Sakura estava sentada na cama, enquanto a escova em sua mão deslizava lentamente pelos cabelos, ainda úmidos do banho.

O passeio no jardim lhe fez bem, precisava de um pouco de ar, de sol, um pouco de liberdade, mesmo que mínima. Poderia dizer que esqueceu, por aquelas poucas horas lá fora, as razões de seu sofrimento, o vento em seu rosto varria sua angústia para as partes mais remotas de sua mente.

No entanto, uma vez novamente trancada em seu cativeiro, todos os pensamentos e mágoas voltavam com força total, transbordando em lágrimas através de seus olhos. A moça, sentia-se um barquinho de papel à deriva no mar, no meio de uma tempestade cruel e avassaladora, e por mais que tentasse, ela não conseguiria manter-se na superfície.

Costumava pensar que não poderia perder mais nada além de sua própria liberdade, mas isso veio a demonstrar-se algo totalmente equivocado, pois a rosada, agora, não possuía nada. Tudo fora-lhe arrancado, seu pai, a vida que sempre conheceu e até mesmo suas próprias convicções e princípios.

O que faria ao encontrar-se frente a frente com o homem que chama de pai? Esse mesmo que demonstrou-se à ela, um completo desconhecido?
Reconhecê-lo-ia? Ou reconhecê-lo deveria? A diferença sútil entre as duas coisas mastiga o seu coração, deixando em seu peito apenas o bagaço.

Veria Kizashi como o homem que a crescera como sempre foi, ou deveria obrigar a si mesma a continuar vendo-o dessa forma? Quando provavelmente não era o que sentia em seu coração? Porque por mais que doa, ela admitia para si mesma, que aquela pessoa que conversava com o homem de cabelos negros não era seu pai, não o pai que ela conheceu por todos os seus dezoito anos de vida.

Não, aquele homem, para si, era um completo desconhecido.

Sequestrar e matar pessoas? O que deveria fazer em relação à isso? O que deveria fazer com os próprios princípios, se ele comete mesmo tais atrocidades? Deveria agir como a filha passiva que sempre foi e aceitar tudo, passando por cima de suas próprias convicções, ou deveria manter-se fiel a si mesma e denunciar o próprio pai? Seria ela capaz de fazer algo assim? Sakura sabia bem a resposta para tal pergunta, não, ela não seria.

Suspirou encarando a escova em suas mãos, a escova que lhe fora dada pelo homem de cabelos negros.
Homem de cabelos negros.

Agora ele possuía um nome, mas ainda era meio estranho chamá-lo com ele, então em seus devaneios, ela preferia manter o apelido. Era como se não fossem íntimos o suficiente para usá-lo, o que era estranho e verídico ao mesmo tempo.

Ele também não a chamava pelo seu nome, não se lembrava de já tê-lo ouvido falar seu nome, talvez o fizera uma ou duas vezes, todavia, era do feitio do homem apenas deferir ordens e chamá-la de criança. Apesar de tudo, admitia que era um nome legal, diferente do dono que era completamente azedo.

Estavam já na noite do quinto dia, mas esperava que seu pai aceitasse logo essa tal oferta para que pudesse sair, poderia tranquilamente dizer que nem queria mais saber nada de toda essa história, queria apenas ser livre novamente. Mas o que faria uma vez liberta? Voltaria ao seu outro cativeiro? Iria de uma prisão à outra? A única diferença é que agora, seu pai era tão ruim quanto seu próprio sequestrador. O que mais teria ele escondido de si? Como reagiria ao saber que sua única filha descobriu seus podres? Como ele teria coragem de olhar em seus olhos depois de enganá-la a vida inteira?

Tinha a sua opinião, de que ele não teria muitos problemas em fazê-lo, pois, em seu coração, sabia que o verdadeiro Kizashi não era aquele que conhecera. Ele era um homem de duas faces e ela logo se encontraria, cara a cara, com a sua pior versão.

...


O homem de cabelos negros apoiou o seu jantar na cama, como sempre fazia e sentou-se na poltrona. Sakura poderia, de certo modo, dizer que ele era bom com ela, tinha conhecimento de que poderia ser tudo muito pior.

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