Parte 38

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VERITAS II
Alicia

Saber de tudo assim me deixou um tanto confusa. Pois tal poder poderia facilmente favorecer Balthazar na batalha para recuperar o trono, e mesmo assim, ele parecia determinado a me salvar em vez de si mesmo. Este não era o seu normal. Este não era um hábito presente em sua existência. Este não era o comportamento esperado de um demônio.
"E o quê um demônio deveria fazer na sua concepção?" Ouço de novo aquela estranha voz que me alertou de quê ele não era o meu inimigo. Então vejo uma mulher idêntica a mim, só que com os olhos cheios de vida e vestida de luz.
"Venha. Não há tempo para continuar escondendo o quê somos uma para a outra." Diz-me ao segurar minha mão, e em seguida sinto a leveza do ar me levar enquanto deixo minha carne para trás.
"E Balthazar?!" Digo assustada por minha casca ficar a mercê dele. "Terá de confiar no seu protetor." Ela sorri, então entramos numa espécie de portal iluminado pela cor azul.
Sou uma menina de novo. Por isso fecho os olhos. Não quero rever meu passado asqueroso. Mas a bela dama segura em minha mão e lentamente a tira de meu rosto. "Não há o quê temer. Apenas olhe." Diz-me enquanto volto ao tamanho normal e me torno uma telespectadora.
Estou caminhando pela velha construção dos Marinos, enquanto fico a saltitar pelos escombros, fingindo que tenho a super agilidade advinda do ar, quando na verdade sou uma destrambelhada que acaba por escorregar numa pedra, e quase cai de cabeça no piso. Quase porquê minha cadelinha Blanca surge, e se atira no caminho, impedindo a minha queda, mesmo que isso quase lhe mate.
"Blanca era um demônio. Uma familiar. Por isso se sacrificou por você." Ouço a voz dela em meu pensamento em seguida sou transportada para outra memória.
Estou com 10 anos agora, vivo a conversar com a fantasma Leila que me ensina que nem todos os seres belos são bons, assim como nem todos os seres horrendos são maus, e por vezes vejo um monstro de chifres a quem chamo de Bicho-Papão e digo que é meu amigo.
Nesta época o irmão da minha amiga falece, e como não era muito ligada a igreja e seus santos, passei pouco tempo prestando condolências, então voltei para a minha casa. Só que no caminho me deparei com uma cobra coral, e isso me deixou em pânico de tal forma que comecei a gritar assustada. Falsa ou verdadeira, era uma serpente e eu uma criança. Portanto entrei em total desespero. Achando que iria ser atacada pelo animal.
Porém quando tudo estava perdido, um casal, semelhante a Leila e o Bicho-Papão veio me resgatar. A dama me puxou para trás e o sujeito que a acompanhava entrou no Toyota deles, para atropelar a criatura que lutou bravamente, tentando sobreviver de tal forma que foi preciso esmagá-la várias vezes.
"Nenhum perigo era capaz de te tocar não quando as sombras te protegiam" Mais uma vez a doce e suave voz me diz, e quando dou por mim agora vejo meus pais brigando, enquanto Solana recebe humilhantes tapas na face.
Vejo-me pequenina. Assustada. Salomão tinha quebrado a porta da casa com chutes e temia ser a próxima coisa que quebraria. Por isso ligo incessantemente para vovó El. Mas nada acontece. Assim me esforço para me esconder em um canto da casa, e quando percebo que ele vem em minha direção, meu coraçãozinho bate tão rápido que começo a tremer. "É o meu fim". Nós duas dizemos ao mesmo tempo, só que quando ele chega, a buzina de um carro toca, e a vó El me leva para longe, impedindo-me de apanhar sem motivo.
"Leila trouxe a sua avó Eudora." De novo vem a velha narrativa, e em seguida eu estou em meio a luz, parada diante da moça que muito se parece comigo. "Por quê me mostrou tudo isso?" Perguntei para a dama, e esta me olhou com compaixão. "Porquê você esqueceu." Ela responde e acabo rindo.

_Não eu não esqueci. É impossível apagar essas coisas da cabeça quando vem associado a uma memória traumática.

_É? Então por quê está julgando Balthazar agora?

_Por quê... Ele é um demônio e não um amigo imaginário como a Leila e o Bicho papão ?

_Como pode ter tanta certeza disto?

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