XIV♦: Amor, Morte e Robôs

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Paris, Plomata – 08/30 m.0

LAS CRUCES

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LAS CRUCES

Seja testemunha das estranhas histórias que populam esse novo mundo zerano. Histórias sobre alegrias e tristezas, derrotas e vitórias, vida e morte.

Só pra dar um exemplo: eu morri. Morrer é sempre triste mas não pra mim. Morri feliz de certa forma, e estou indo de encontro aos meus antepassados. Morri vencido, sem vitórias. Não fui atropelado por ônibus, nem morri de doença ou tive um infarto. Também não morri de desgosto, nem de velhice tampouco cometi suicídio. Pelo contrário, morri com uma arma na mão. Lutando, como um guerreiro.

Passei a vida acreditando no Roncar dos Ancestrais – as palavras sagradas de Tegalco – então não é estranho acreditar no que está acontecendo. Daqui de cima observo meu corpo correndo. Isso, ele está correndo. Meu corpo transformado em pedra – é, tive uma morte exótica - corre como se não houvesse amanhã, sempre para o oeste. É uma atrocidade ver algo desse tipo, não é natural. Mas ao menos me tornei algo que não é mais humano, e não alguma coisa pior como um morto-vivo ou sei lá. Ah sim, eles existem. Em toda parte, eu diria. Tem de tudo no mundo de hoje. Evito olhar para os lados pois tenho medo que os espíritos dos ancestrais estejam a minha volta para me levar embora. Não quero ir ainda, quero assistir o meu corpo de pedra. A última corrida. Mas ninguém aparece. Talvez meu corpo precise deitar primeiro pra que eu possa ir.

Penso que agora 'corpo' não tem muito a ver. Sou um objeto de pedra. Penso também nas pessoas que são objetos mesmo em vida – não seria a maioria esmagadora do povo? Morrem tantos todo dia, meras estatísticas nos noticiários. Tratados como objetos pelas monolíticas empresas que governam o mundo, que vêem só números ao invés de pessoas. Gosto de pensar que minha terra natal não é assim, mas mesmo os Anciões não conseguiram impedir as corporações de entrar.

E as pessoas que vão além disso? A tecnologia está substituindo a carne, tem gente cada vez menos formado de 'gente' pra ser formado mais de... sei lá o que. E tem gente que vai ainda além disso, se é que isso é possível. Gente que só pode ser chamada de 'humanos' porque ninguém ainda decidiu algo melhor. Ou talvez tenham.

Minha história é a primeira da noite, das cinco que tenho pra contar. Que minha história sirva de pano de fundo para essa grotesquidade que se tornou nosso mundo, onde o real e o imaginário se fundem e se mesclam, onde o que é ser humano se perde nos caprichos da tecnologia. Existem histórias que só começam depois que já acabam. Essa é a minha história mas como disse, não é importante. Afinal, minha história já acabou.

Começando pela minha, estou voltando pra casa. Em ambos os sentidos. Os campos selvagens dos meus ancestrais me esperam de braços estendidos. Me acompanho fazendo o mesmo caminho para o oeste. Morri na Grécia e tive uma morte muito grega. 'Presente de grego' – diz aquele ditado. Me vejo daqui, antes de me entregar as vozes que querem me levar, correr de volta para casa. Aquilo que me tornei.

Monolito das Cinzas (Do Infinito Ao Zero, vol 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora