XLVII♠: Dizem que a Vida é um Jogo

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antigo cassino desativado, subterrâneos do vactubo; Hoover, Nova Vegas - 07/28 m.0

Troço (obj.): nome que se deu para as substâncias corrompidas pelo desarranjo, ficando inúteis para o uso. O estado do troço é diferente dependendo da substância transformada. Ao longo da semana foram lentamente tornando-se inúteis, seja tornando-se extremamente quebradiças, ou geleia tóxica ou adquiriram uma casca negra e pútrida dentre outros fenômenos. Impossível de ter qualquer aplicação útil e após sete dias qualquer troço já havia desaparecido por completo. Ver: Magia Arcana (desp.); Filósophos (gír.)

- do Dicionário dos Termos Zeranos - 13ª edição, editora zintra, pub. 11/29 m.0.

THYRSA

Não temos óleo para passar nas dobradiças, o resultado é aquele ranger de uma porta velha. Segurar firme na maçaneta e erguer a porta enquanto abre alivia o peso nas dobradiças e ajuda um pouco.

Lá dentro um homem de pé não está olhando para a porta. Ele todo de preto feito um operativo paramilitar está distraído com seu interlink. Mesmo assim ele só veria a porta se abrindo sozinha, como se o vento a empurrasse. E mais nada.

Eu e Badar entramos abaixados, abaixo da linha dos bancos do salão principal da igreja. Nos movendo agachados, ele com a vrapa na mão direita. Eu também armada, a escopeta cano serrado apontada para baixo pronta para o disparo. Pronta para matar.

Há bancos compridos de madeira, que precisa de reparos. Sim, estamos em uma igreja subterrânea. Uma igreja inteira debaixo da terra, sepultada pelo cimento dos corredores da estação de metrô. Estou dentro de um salão que existia antes do Marco Zero se abrir.

Toco no braço de Badar de leve, atraindo seu olhar. Toco no chão com a palma de mão e faço dois gestos com os dedos da mão esquerda: indicador e médio unidos esticados o polegar em noventa graus: "antes". O numeral zero com a mão: "zero."

Antes do zero. Pré-zerano. Estamos pisando em solo raríssimo, uma relíquia. Quanto mais pudermos preservar de tudo o que existe aqui, melhor. Evitar um tiroteio seria primordial.

Badar assente uma única vez, de leve. Ele trava a vrapa e deixa ela dependurada na bandoleira, de dentro da batina puxa uma faca semi-cerrada de caça. Muitas vezes ele já caçou homens com esta lâmina, e já a vi encharcada no vermelho sangue algumas vezes.

Por entre os bancos planejamos em silêncio como matar o inimigo ali se divertindo no interlink. Ele parece tranquilo demais, o que é estranho. O homem deveria estar alerta, enfim sendo a sentinela que os outros nas partes internas da igreja precisam. Provavelmente não estão esperando concorrência nenhuma, a informação passada a eles era segura - ou assim foi dito a eles. Não esperam por nós. Sendo assim, porque tanto pessoal e tão pesadamente armados? Do que estão se protegendo?

Quando planejamos avançar por entre os bancos para se aproximar, damos de cara com outro capanga inimigo deitado no banco da igreja, relaxando. Badar trava ali mesmo agachado onde está - eu agachada ao seu lado bem próxima - por instinto Badar posiciona a faca de lâmina para baixo, pronta para cravar no ponto certo. Eu o detenho com um leve toque no pulso. Estamos muito próximos, e o golpe deveria ser preciso a tal ponto que o mate e o paralise ao mesmo tempo. Somente um preciso golpe no coração seria possível, e não sabemos se o homem usa proteção peitoral - portanto o golpe precisaria ser forte. E força provoca barulho, o que alertaria o outro capanga e colocaria em risco nossa operação aqui.

Não era para ter ninguém aqui dentro. Isso de fato é uma armadilha.

Como se tivesse sido ensaiado tão logo Badar se detém o capanga se levanta de sopetão, alertado por algo que apitou no seu interlink, invisível e inaudível para nós. Se ele virar a cabeça na nossa direção, nos vê aqui agachados, tão perto que consigo ouvir sua respiração. Aos poucos recuamos, silêncio absoluto, eu e Badar muito próximos do inimigo, recuando agachados um passo após o outro bem devagar. Coordenando nossos movimentos para nada fazer barulho, para o couro de nossas botas não ranger, o farfalhar de nossas batinas não roçar demais, a respiração de nossas narinas não alertá-lo.

Monolito das Cinzas (Do Infinito Ao Zero, vol 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora