Nova perspectiva

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Saber o que fazer era um conceito muito amplo, mas pelo menos eu já tinha uma direção melhor com relação as facas. E isso estava claro em minhas jogadas.

Nas últimas horas, entre o que eu achava ser o final da tarde ao começo ou metade da noite (era incrivelmente difícil dizer quanto tempo havia passado, sem um relógio, no nível subterrâneo), a sala de treino havia lotado.

Sabia muito bem que haviam outras salas de treino ao redor da base — milhões de outras sem dúvidas muito maiores também — mas tinha a impressão de que todos que estavam treinando ali não escolheram a sala por acaso.

Poderia, claro, ser uma coincidência do destino, na qual todas as outras salas estariam lotadas ou sem equipamentos. Mas eu era capaz de sentir seus olhos em mim, queimando a minha pele e perfurando meus ossos.

Mesmo quando eles fingiam treinar. Mesmo quando socavam suas almofadas ou alternavam em se ajudar nos abdominais ou afiavam suas armas para começar uma luta, eu sentia seus olhos em mim. Seus sussurros apressados e seus olhos levemente arregalados, com um brilho estranho. Sentia e via cada um me observando como se eu fosse um pedaço de carne que queriam, mas não podiam tocar.

Sabia por quê me olhavam. Sabia por quê eu era para eles a carne premiada da qual eles não sabiam o real valor.

Tentava, com todo afinco, não deixar com que isso me marcasse, me definisse perante eles. Mesmo assim, não conseguia suprimir o sentimento de vergonha e medo e, em certo ponto, orgulho que começavam a borbulhar em mim.

Ao meu lado, os irmãos agiam de maneira completamente alheia aos burburinhos e a crescente lotação da sala. Gatto permanecia me dando instruções, como se isso fosse uma terça-feira qualquer.

Eles queriam me dar um senso de normalidade, claro. Queriam que eu não fosse afetada pela atenção e apenas focasse na minha tarefa, como uma profissional faria. Em troca disso, fingia ignorar os olhares de retribuição que todos — incluindo Matthew — lhes lançavam.

Mas eu me sentia tensa. Muito mais tensa do que quando voltara da cozinha, quando estava determinada a olhar para meu treino com uma perspectiva diferente. E por mais que falasse que era a frustração de não acertar o alvo, sabia que era mentira. Estava muito melhor e orgulhosa de como havia evoluído, mesmo que pouco.

Respirei fundo pelo que seria a décima vez nos últimos dez minutos.

- Calma Pirralha. - o aviso de Gatto não foi uma reprimenda, nem uma tiração de sarro. Foi um conselho, como se ele estivesse se falando isso pelas últimas horas.

Senti a atenção de Vic passar para nós, mesmo enquanto ainda auxiliava Matt em montar sua arma.

- Foco no objetivo Amélia. - ele continuou, as mãos no bolso - O exterior não pode afetar sua concentração. Veja o alvo, sinta onde ele está e atire.

- Estou tentando... - resmunguei, mesmo sabendo que minha raiva era fruto de tensão.

- Vamos tentar de uma maneira diferente, okay? - sua voz parecia um pouco desesperada apesar de sua postura relaxada.

O encarei, erguendo uma sobrancelha para a proposta a seguir. Também estava tentando ao máximo agir de maneira casual, mas sabia que a tensão em meus ombros era visível.

- Nós combinamos que iríamos ver as coisas por uma nova perspectiva. Então por que não tenta encontrar essa perspectiva dentro de você mesma?

- O quê? - não consegui deixar minha incredulidade de fora do meu tom.

- Vamos lá, Pirralha! Você deve ter algumas memórias aí dentro da sua cabecinha que sirvam de motivo pra aprender. Algum tipo de motivação, sei lá!

A Verdadeira História de Uma AssassinaOnde histórias criam vida. Descubra agora