A Noite é uma Criança

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Não vi Lucas pelos próximos dias.

Sabia que ele não estava bravo comigo graças as breves mensagens que trocávamos durante as manhãs e as noites, mas ainda assim era... inquietante sua distância. Nem parecia que tinha sobrevivido a ela por 10 anos da minha vida.

Mas mesmo assim, percebi que uma nova rotina estava se formando ao meu redor. De manhã eu saia com Matthew para um café qualquer de Bloody Rise e depois andávamos juntos até o quartel. Passávamos o resto da manhã treinando com os gêmeos, almoçávamos com Nicoletta, Marcello, Bianca e Thana — a médica que conheci quando Gatto quase quebrou meus dentes durante um dia de treinamento.

Depois do almoço treinávamos por mais algumas horas, tínhamos aulas de como as coisas funcionavam em gangues e em rixas e coisas parecidas, e depois tirávamos o resto da tarde para fazer o que quiséssemos. Isso, pra mim, consistia em duas horas de aula de italiano com Vic, depois uma hora de ligação com Nanda, um jantar (ou sozinha no conforto do meu quarto, ou em um restaurante por perto com os irmãos Thompson) e por fim, mais treinos sozinha até que eu ficasse tão exausta que dormisse direto.

Claro que isso nem sempre funcionava.

Tinham vezes que minha mente estava tão exausta que nem se dava o trabalho de me fazer sonhar, se arrastando por um sono profundo e calmo. Mas outras vezes... Eu era obrigada a rever o capitão ter seus miolos explodidos. As vezes não era o capitão, mas sim a memória de Vic amordaçada ou de Gatto com dificuldade para respirar. As vezes era apenas o som de sangue pingando, de novo e de novo até que eu acordasse. E não era sempre que eu acordava no meio da noite, com um grito agudo que perfurava a escuridão do meu quarto ou a noite chuvosa de Rise, meu corpo pálido e coberto em suor frio e viscoso que me fazia correr para o banheiro e vomitar as minhas tripas até lembrar que aquilo não era sangue. Não, essas eram as vezes misericordiosas, onde os pesadelos acabavam cedo.

Por que tinham vezes que eu era obrigada a ver tudo aquilo em um ciclo infinito, que só parava quando os raios de sol invadiam o meu quarto e o meu despertador me arrancava a força daquelas memórias fantasmas que me assombravam dia e noite. Por isso, por essas... memórias, eu me perguntava se realmente valia a pena.

Se realmente seria assim até o final dos meus dias, a cada vez que eu presenciasse uma morte ou pior, tivesse que matar alguém. Se a cada vez que eu realizasse meu trabalho, não teriam mais fantasmas atrás de mim, mais memórias sombrias e mais pesadelos agonizantes para me fazer repensar tudo o que que já vira na minha vida.

A cada dia que eu me olhava no espelho, depois de cada pesadelo e de cada grito horrendo, eu me perguntava se isso realmente era para mim. Eu realmente tinha o estômago necessário para ser uma assassina? Eu realmente conseguiria fazer isso todos os dias da minha vida até a minha morte? Eu realmente... era forte o suficiente para isso?

Era interminável. As perguntas, as dúvidas... eu mal tinha 18 anos, me formaria em menos de um ano. O que eu deveria fazer? O que eu deveria ser?

Estava prestes a entrar no mesmo abismo que vinha lutando para me afastar, o abismo que tinha a cara de meus pais e um capitão morto, quando a vibração de meu celular me acordou do meu transe.

Desviei meus olhos das gotas de chuva presas na janela, as mesmas que refletiam as luzes neon de Bloody e a espalhavam pelo meu quarto escuro, e olhei para a cadeira onde eu tinha deixado meu celular. Havia chegado tão cansada dos treinos que havia recusado o jantar habitual com Matt e os gêmeos. Nem sequer havia tomado banho antes de jogar meu celular na cadeira mais próxima, junto com a minha jaqueta, chutei minhas botas e minhas meias para longe e deitei na minha cama.

Mas quando o sono, que achava que seria arrebatador, não veio, me vi presa dentro de meu próprio quarto — incapaz de dormir, mas imensamente cansada para fazer qualquer coisa.

A Verdadeira História de Uma AssassinaOnde histórias criam vida. Descubra agora