Capítulo 9

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A noite foi incrível. Quer dizer, o final dela. Às vezes, um bom final podia compensar um dia inteiro de coisas ruins, assim como é possível escrever um livro horrível mas com um final incrível e ganhar muito dinheiro. Era nesses momentos que Alice se lembrava de como era bom namorar com um médico. Eles sabem o que estão fazendo. Só era uma pena que não era exatamente por prazer que ela tinha dormido com ele essa noite.

Marcação de território, tudo depende da marcação de território! Pelo menos era isso que os seus professores favoritos sempre falaram:

"Quando se está no mercado como representante de uma empresa, tudo que se pode fazer para garantir seu lugar é válido. Não existe essa história de jogo sujo!"

E desde que ela conseguia se lembrar, Alice tinha levado esse conselho para todos os campos da vida. Alguns até diriam que isso havia se tornado a personalidade dela: mostrar para todos quem mandava, tanto na vida profissional como na vida pessoal.

Me parece uma história muito mal contada. Eles se prometeram estar juntos caso o mundo acabasse? Ninguém faz isso. Ela pensou, mas logo em seguida uma outra vozinha, uma que ela tentava ignorar sempre que possível, disse: Se bem que a maioria das pessoas não é criada por um casal de sobrevivencialistas. Além disso, pelo que ele já me contou da sua vida eles tiveram uma história bem longa.

Talvez fosse a voz da razão, talvez a voz do bom senso, mas ela gostava de pensar que essa voz era uma demonstração de fraqueza e, portanto, não significava nada.

Ela dormiu ao lado de Paulo. Dormiu o sono dos justos, como o pai costumava dizer. O pai usava essa expressão para dizer que as pessoas sem arrependimentos, estresse crônico ou outras coisas do tipo conseguiam dormir uma noite inteira e realmente acordar no dia seguinte descansados. Alice não era exatamente parte desse grupos dos "justos", o que a permitia dormir como uma pedra era o cansaço extremo e suas pílulas, algumas que estavam sempre com ela, seja nos bolsos, em sua bolsa ou na mesa de cabeceira.

Paulo sabia que para algumas das pílulas ela precisaria de recomendação médica, mas depois de alguns meses de relacionamento ele já tinha descoberto que grande parte da vida da namorada era um mistério proibido para ele desvendar. Ele não a questionava quando a via engolir remédio atrás de remédio, porém, às vezes, ele se pegava rezando para que ela não sofresse uma overdose. Talvez fosse uma reação exagerada causada pelo seu envolvimento amoroso com ela, no entanto Alice usava realmente muitos medicamentos.

Ela acordou cedo, rolou na cama para pegar o telefone e viu no relógio que era pouco depois das sete da manhã. Ela praguejou internamente, o organismo já estava começando a reagir mais rápido ao medicamento, talvez fosse hora de arrumar outro tipo, talvez um tarja preta dessa vez.

Bem, um pouco mais de sete horas de sono é melhor do que passar a noite em claro.

Ela tentou ver o lado positivo da sua situação, voltou a virar para o lado na cama e observou Paulo dormindo. Ela realmente gostava dele, ele era três anos mais velho que ela, tinha uma vida financeira independente e organizada, além de receber muito bem...

O sexo também é bom...

De vez em quando ela refazia essa lista mental, lembrar das qualidades dele a fazia pensar que ele era o cara certo. Mesmo assim ela sabia, pelo menos uma parte dela sabia, que talvez a forma como ela gostasse dele não fosse suficiente. Ela não tinha certeza se era amor ou se era um simples gostar.

E agora pra piorar aparece essa ex, completamente bêbada e em vez de enxotar ela, ele a convida pra dormir aqui.

Esse pensamento a fez relembrar mais precisamente da noite anterior. O começo do fim do mundo, só podia ser isso, nada mais justifica um terremoto tão forte no meio de uma placa tectônica. Ela sabia, simplesmente por ter alguns fatos decorados, que mesmo no meio de placas tectônicas ocorrem terremotos, mas em uma escala tão pequena que não é exatamente possível percebê-los. Portanto, o que o terremoto da noite anterior poderia significar, senão o fim do mundo?

Ela jogou as pernas pela lateral da cama, lentamente, com medo de fazer muito barulho e acordar o namorado, e saiu do quarto para a cozinha.

Julia deu um pequeno salto quando se virou para a bancada da cozinha e deu de cara com Alice.

― Meu Deus! Eu estou fazendo muito barulho? Fui eu que te acordei? - ela soava genuinamente preocupada.

― Naaão, imagina! Eu geralmente acordo cedo. Mas e você? Como conseguiu levantar a essa hora depois de beber tanto uísque? - Alice também soando autêntica.

― Bem, foi meio complicado conseguir dormir essa noite. Com tudo isso acontecendo.

- Julia gesticulou vagamente pela sala.

Tudo o que Alice ouviu foi: "Além do fim do mundo ontem a noite, você também é um tanto barulhenta na cama.". Isso a fez sorrir para si mesma.

― E você já está fazendo café. Que ótimo! Se você não se incomodar eu também vou beber. - ela disse.

― Imagina, claro que vai, eu já estou fazendo pra nós três de uma vez. Seria uma perda de tempo ficar fazendo café aos poucos. - ela se abaixou e tirou o açúcar de dentro de um dos armários, ao se levantar Julia notou a expressão de Alice e acrescentou ― Ah, desculpa se eu pareço um tanto quanto xereta, é que quando Paulo se mudou pra cá eu o ajudei na organização das coisas então eu sei onde a maioria delas fica guardada.

A explicação de Julia não teve o efeito desejado. Alice se sentiu ainda mais ameaçada por essa completa estranha que sabia muito sobre seu namorado e a casa dele. Uma parte dela tentava se contentar com os fatos, afinal eles namoraram por muito tempo (ele ficava repetindo para si mesma) e a outra parte, a que sempre ganhava porque era a parte que Alice preferia, ficava repetindo que ela devia tomar cuidado, afinal de contas, que tipo de pessoa tem a reação de correr para a casa do ex-namorado depois de um terremoto antes mesmo de pensar em ir para a própria casa?

Ela optava por não descobrir qual era, realmente, o tipo de pessoa daquela mulher parada à sua frente que preparava café para as duas tomarem. Para ser bem honesta, se a Julia já não estivesse fazendo o café quando ela levantou, era bem capaz que Alice não bebesse nada que a outra a entregasse. 

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora