Capítulo 23

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Paulo ficou pensando naquela conversa por alguns minutos na cozinha. Ele foi criado para sobreviver em qualquer ambiente, sob quaisquer condições, depois se formou em medicina e se tornou conhecido no círculo de profissionais da sua área. Tudo isso o fazia se sentir seguro, pois além de sobreviver ele poderia ajudar a salvar outros independente de estar vivendo no fim do mundo ou não.

Agora toda sua ideia de mundo ia pelo ralo abaixo, zumbis e alienígenas não foram situações para as quais ele foi treinado.

Tudo bem, ninguém sabe nada sobre alienígenas, foi só a Alice com suas ideias malucas.

Ele tentava se acalmar, não que suas tentativas estivessem dando frutos. Os três tentaram comer algo mas a nutrição havia se tornado algo secundário em suas mentes, que estavam começando a questionar toda a veracidade das notícias. Quer dizer, quem não estaria.

― Como um asteroide iria acertar um satélite e arrastá-lo pelo caminho até acertar a estação espacial? - perguntou Julia.

― Olha, as chances são bem pequenas, mas não é exatamente impossível. Até seria possível fazer cálculos para mostrar isso, mas seria necessário ter os dados da NASA ou de outra agência espacial sobre a existência e a rota do asteroide. - respondeu Alice ― Mas pra calcular a chance do que aconteceu acontecer, também seria importante calcular a rota do satélite e da EEI, e aí sim calcular a probabilidade de um evento do tipo acontecer.

― Falando assim, parece até que é algo completamente evitável. - comentou Paulo.

― Tecnicamente falando, era possível evitar o acidente, se a gente supor que as agências espaciais tinham controle sobre a rota do satélite e da EEI. O que é uma grande suposição, já que eu não sei nada de agências espaciais e suas responsabilidades. - Alice disse.

― Parece que você sabe mais do que a maioria dos leigos no assunto. - foi a vez de Julia comentar.

― Eu não sei se você quis insinuar alguma coisa com essa fala, - começou Alice, irritadiça ― mas eu realmente não sei se alguém tem controle sobre rotas espaciais, além disso eu só fiz um comentário sobre probabilidade. Isso é matemática básica, eu trabalhei muito com isso.

A "refeição" seguiu até o fim em silêncio. A ideia de que Julia estava insinuando algo quando disse que Alice sabia muito sobre esse tipo de coisa não saía de sua cabeça.

Ela não estava insinuando nada, estava? A Julia sabe muito bem que a Alice é empresária e que atua na área de farmácia, não faz sentido nem imaginar algo assim. E a Alice, será que ela realmente se sentiu ameaçada quando Julia disse isso, como se ela soubesse mais que deveria?

Paulo não tinha uma resposta para essas perguntas, mas em sua mente estava claro que essas duas não vão aprender a conviver tão cedo. Essa seria a parte complicada, fazê-las entender que precisariam se entender uma hora ou outra.

Para se sentir menos nervoso com a situação entre sua namorada e sua ex, Paulo tomou a decisão que parecia mais eficiente: foi para o quarto ficar sozinho. Lá, ele se deitou e ficou assim, sem ligar a televisão, apenas ele e seus pensamentos. Não que ele conseguisse identificar um único pensamento separadamente, sua cabeça parecia um rio, as ideias se embaralhando em uma grande confusão.

Virando-se de lado, ele pensou em dormir, já era noite, ele não tinha nada para fazer, talvez fosse isso que sua mente estava precisando para voltar à calmaria normal, para que ele pudesse voltar a raciocinar. Ao fazer isso, Paulo notou o vidro dos comprimidos que ele tinha visto Alice tomar naquela tarde. Aquele vidro parecia novo, ou melhor, desconhecido, ele não conseguia se lembrar de Alice tomando algo que viesse em vidros parecidos.

Voltou a se sentar e se arrastou por cima da cama para o outro lado, onde o vidro estava, em cima da escrivaninha. A etiqueta dizia "Bromazepam", Paulo revirou sua mente tentando se lembrar desse medicamento. Benzodiazepínico, ele se lembrou, mas ao invés de ser uma resposta, isso gerou mais perguntas em sua cabeça.

Por que ela tá tomando isso? É um ansiolítico, ela precisa de uma receita pra conseguir esse tipo de medicação.

Ainda com o frasco na mão, Paulo se levantou, ele precisava tirar aquela história a limpo. Além de Alice não se consultar com nenhum médico regularmente, como seria o caso de um psiquiatra, para conseguir a receita, ainda havia o problema de esse tipo de remédio poder causar dependência química.

Antes de sair do quarto Paulo checou a etiqueta mais uma vez. O nome no frasco era de Julia, não de Alice.

Isso explica algumas coisas. A Julia tem consultas com um psiquiatra, ou pelo menos ela costumava ir a um. Ela deve ter esquecido o vidro aqui no quarto mais cedo quando elas vieram me acordar. Alice deve ter guardado o seu remédio na mochila ou na bolsa.

Com a cabeça mais leve, Paulo voltou a se deitar, e virou para o outro lado, apagando a luz do quarto para poder dormir.

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora