Paulo não podia acreditar em nada daquilo. Viciada em medicamentos, não era exatamente o que ele esperava de alguém tão esclarecido nesse campo, mas não exatamente uma surpresa; e agora sua namorada era também alguém capaz de se tornar uma assassina? O que estava acontecendo ali que ele foi tão cego a ponto de não enxergar?
Paulo imaginou o que elas estavam discutindo logo antes de sua entrada.
Melhor nem perguntar para Alice, ela vai tentar manipular toda a história para parecer que ela é a vítima, ou ao menos que ela estava fazendo a coisa certa.
Ele não estava chegando a essa conclusão de lugar nenhum, ele mesmo já tinha visto Alice manipular situações para ser considerada a boazinha da história. O final de ano com a família dela foi o ponto em que ele notou que ela não tinha escrúpulos. Naquela época ele quis levar a ideia imaginando que era apenas o lado competitivo dela, mas agora ele não conseguia ver as cenas da mesma forma.
Ela tinha feito a irmã mais nova parecer um monstro que destruiu o natal anterior. Trazer aquela velha história à tona na ceia do ano novo não tinha sido uma boa ideia e Paulo se sentiu encurralado no meio da família que ele estava encontrando pela primeira vez. O resultado daquela noite foi uma gritaria que só teve fim pouco antes de os fogos de artifício começarem e a partida da irmã da reunião familiar para passar a virada do ano sozinha.
Ali aconteceria a mesma coisa, Paulo não estava presente quando o que quer que tivesse acontecido aconteceu. Se ele perguntasse, Alice faria como fez com a irmã todos aqueles meses atrás.
Ele não precisou perguntar nada. No momento em que ele fechou a porta do quarto Alice começou a despejar sua história em cima dele.
― Você tinha que estar lá. Aquela maluca da sua ex-namorada me contou que ela colocou aquela merda de frasco do lado da cama. Ela queria que você encontrasse, você não percebe? Assim, ela iria mostrar que eu sou malvada e ela é a boazinha e você iria querer ficar com ela e não comigo! - Alice quase gritava.
Ela pode ser maluca, pode ter um problema de vício medicamentoso, pode ser controladora, mas eu tenho que admitir que a capacidade dela de inventar essas histórias me surpreende. Ela conseguiu montar todo um cenário na mente dela em questão de minutos, só pra livrar a própria cara.
― Alice, para com isso! Vamos lá, você é melhor do que isso. Ou pelo menos, você me fez acreditar por meses que era melhor que isso...
― EU SOU MELHOR QUE ISSO! Será que você não consegue se colocar no meu lugar e ver que o que eu fiz foi pra salvar a gente de uma maluca? Meu bem, tudo o que ela quer é separar a gente. - ela o interrompeu, se aproximando e tentando alcançar o rosto dele.
Paulo a impediu.
― Como? Como você é melhor que alguém, se você tem que se livrar desse alguém para se reafirmar? - ele começou, entrando no embalo da raiva.
― Mas...
― Não me vem com mas. Tá na hora de você escutar, você só fala o tempo todo e todo mundo tem que te ouvir. É a sua vez de ouvir alguém. - ele esperou alguma reação, mas ela se calou. ― Vamos começar pelo simples fato de que mesmo que a Julia estivesse mesmo tentando nos separar, o que eu duvido muito, ela não conseguiria. E por quê? você se pergunta, porque eu não a amo mais. Eu a amei, muito, mas acabou e nós somos amigos. E você sente ciúmes, o que até certo ponto é compreensível, porque não são muitos os casais que continuam amigos depois de terminarem.
― Quem sabe se a gente namorar por tanto tempo como vocês dois namoraram, você acabe dizendo a mesma coisa para os seus amigos? Que nós somos amigos e não importa o que aconteça você sempre estará lá por mim. - ela o interrompeu mais uma vez.
― Tá vendo? É disso que eu estou falando, tudo tem que ser sobre você. Isso não vai acontecer, Alice. Pra mim já deu, você vai pegar a mala que você arrumou ontem e vai voltar pro seu apartamento. Eu não vou abrigar uma assassina.
― Mas eu não matei ninguém! - ela tentou se defender.
― POR DOIS SEGUNDOS ALICE, SE EU TIVESSE DEMORADO DOIS SEGUNDOS PRA ENTRAR NA COZINHA NÃO SERIAM VOCÊ E JULIA LÁ DENTRO. Seria você e um cadáver. - ele sussurrou a última frase. ― Você percebe isso, né?
― Mas e se eu voltar pro meu prédio e ele não estiver mais lá, se ele tiver desmoronado? Pior, e se eu chegar lá e o prédio cair comigo lá dentro? - Alice tentou argumentar.
― Isso deixou de ser problema meu no instante em que você levantou aquela faca. E quer saber de outra coisa? Além disso, você não parou um segundo para pensar que você estaria cometendo um crime na minha casa e que isso me envolveria no caso. Se você estava disposta a colocar a sua liberdade e o meu nome em risco por causa de ciúmes, eu estou muito mais disposto a não ter você na minha casa. Anda, pega sua mala.
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Te vejo no fim do mundo
Ficción GeneralJulia, uma psicóloga com agorafobia (medo absurdo de lugares com muita gente) proveniente de ter presenciado a morte da mãe de seu namorado (na época), resolve sair de casa e encontrar as amigas em um bar. Quando ela está voltando para casa, um terr...