Capítulo 38

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Julia não aguentou mais ficar olhando para toda aquela destruição, voltou o seu corpo completamente para dentro do carro e ligou o rádio para tentar aliviar a tensão do silêncio que havia tomado conta deles.

Não adiantou muita coisa, a maioria das estações não estava funcionando, provavelmente porque suas antenas tinham sido destruídas, e as poucas que ainda transmitiam estavam todas dando notícias de todas as mortes e da devastação que continuava a atingir diversos pontos do mundo.

Pelo menos parece que tivemos mais sorte do que a maioria dos lugares. Só fomos atingidos pelo terremoto e a enchente, que foi consequência do primeiro.

Ela voltou a desligar o rádio. O silêncio podia ser incômodo, mas ainda era melhor do que escutar a cada minuto uma atualização no número de mortos, feridos ou desaparecidos. Pior ainda seria escutar os apelos de pessoas em busca de seus familiares, por sorte ela não tinha visto nenhum desses, senão muito provavelmente já teria começado a chorar.

Julia alternava sua atenção entre o lado de fora do carro e Paulo. Buscava qualquer sinal em sua expressão, pois ele parecia tão concentrado que não expressava nada, parecendo um robô. Ela sabia que esse era um mecanismo de compartimentalização, mas na maioria das vezes ela não gostava desse mecanismo, pois acreditava que podia ser prejudicial para a pessoa. Não que ela fosse falar isso para Paulo, ainda mais agora que toda a sua concentração era necessária para tirá-los dali sem serem feridos ou coisa pior acontecesse.

Ela observava que, com exceção dos destroços de edifícios e casas destruídos, as ruas pareciam bem limpas, ironicamente mais limpas do que uma semana antes, antes de que toda essa confusão tivesse começado.

Julia começou a se animar com ideia de sair dali e ir para um lugar sem sinal de destruição.

Se bem que não há destruição porque não há sinal de vida de uma forma geral.

Ela tentou se concentrar no lado positivo de estarem dentro de um carro indo para fora da cidade. E conseguiu, pelo menos por alguns minutos. Até que ela olhou para o lado de fora mais uma vez e gritou, um grito de puro terror que fez com que Paulo parasse o carro de maneira brusca.

― O que aconteceu? - Paulo perguntou, entre a raiva e o medo.

― Eu... eu acho que... acho que vi a Alice.

― E? Ela pode estar em qualquer lugar da cidade agora, até mesmo ali atrás. - Paulo respondeu, tentando não ficar com raiva de Julia por ter gritado daquela maneira.

― Não, Paulo. Eu acho que a vi... que eu vi o corpo dela. - Julia explicou.

Paulo entendeu o que ela queria dizer e desceu do carro correndo. Julia foi atrás dele e viu enquanto ele se abaixava próximo do corpo que Julia havia notado. O corpo estava preso entre destroços de uma parede e de um carro que devia estar estacionado em frente à casa. Julia não se aproximou demais, não queria ter a visão tão clara de um cadáver.

Quando Julia percebeu que Paulo estava se levantando para voltar para o carro, ela também voltou para dentro, alguns momentos antes dele. Sem conseguir controlar as emoções por mais tempo, ela começou a chorar. Quem visse aquela cena sem mais nenhuma informação, imaginaria que ela tinha uma ligação muito forte com aquela pessoa que agora jazia morta na rua.

― Por que você está chorando? - foi a primeira coisa que Paulo disse ao entrar no carro.

― Eu acabei de ver um cadáver, Paulo. O que mais eu faria além de chorar? - ela respondeu, surpresa com a insensibilidade de Paulo.

― Não era a Alice. - ele comentou, como se não fosse nada demais.

― Você tem certeza? - Julia perguntou, o choro diminuindo.

― Sim, eu tenho certeza que aquele corpo não era da minha ex-namorada. - ele comentou.

Julia então fez um esforço fora do comum para não voltar a chorar.

Só porque eu não a conhecia não quer dizer que eu não deva chorar sua morte. Talvez não haja mais ninguém que faça isso por ela.

Esse pensamento a acalmou um pouco. Ela não deveria ser a única pessoa a pensar daquela forma, e isso sinalizava que ainda existiam pessoas com bons corações em algum lugar.

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora