Capítulo 45

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Mas que merda, tudo que eu menos precisava agora era que ela tivesse visto essas flores! Agora tudo o que posso fazer é torcer para que isso não seja um gatilho para qualquer emoção que ela possa ter enterrado.

Paulo continuou puxando Julia gentilmente para dentro de casa. Uma vez lá dentro, ele começou a puxar os panos que cobriam os móveis e viu que Julia foi até a pequena despensa pegar uma vassoura. Eles sempre tinham formado uma boa dupla, tanto no amor como nos outros setores da vida.

Ele se sentiu aliviado ao notar que isso não tinha mudado.

Então a limpeza continuou. Paulo acabou de expor os móveis bem antes de Julia terminar de varrer a casa, mesmo porque os panos que cobriam os móveis estavam cobertos de poeira, aumentando o trabalho dela, que ainda estava conseguindo varrer a casa basicamente com um braço inutilizado. Continuando as etapas que ele tinha decorado desde os 5 anos de idade, foi até a lateral da casa, pegou a escada que ficava pendurada ali e a posicionou de forma que conseguisse subir ao telhado. Voltou até a varanda da frente, pescando duas antenas relativamente pequenas que ficavam escondidas debaixo de um dos bancos e as levou em direção à escada.

Subiu os degraus devagar, a escada era velha e ele não queria testar a resistência. Nem a da escada de aguentar seu peso, nem a sua de cair de uma altura daquelas.

Uma vez no telhado, Paulo teve que fazer uma pequena busca para encontrar o local onde o pai tinha montado as bases das antenas. Não demorou para encontrá-las, obviamente do lado oposto do telhado. Típico do pai dele, sempre dificultando o que poderia ser simplificado. Andou até lá, tomando cuidado redobrado pelo fato de não ter limpado o telhado antes, o que significava que ele estava cheio de folhas, tornando-o bastante escorregadio, uma armadilha de fato.

A instalação das antenas foi a parte mais fácil, Paulo conseguiu uma área limpa para conseguir sentar e fez as conexões necessárias rapidamente. Aquele ponto do telhado era mais seguro, não tinha telhas, era apenas concreto batido acima dos tijolos que formam o teto da casa, Paulo se lembra de uma vez em que sua mãe tentou convencer o marido que era uma boa ideia ela ter um tipo de jardim secreto naquela área do telhado.

Seu pai quase havia aceitado a ideia, mas no último instante ele deu uma olhada através da janela. Paulo riu ao se lembrar do comentário dele.

"Com tanta terra sem árvores do lado de fora da casa... e você quer plantar flores no telhado? Por quê?"

E naquele momento a mãe saiu da sala, batendo os pés para mostrar seu descontentamento com aquela situação. Mais tarde ela contou para ele que odiava aquele pedaço do telhado, era um pedaço de concreto que parecia cortar o telhado e aquilo a incomodava.

Aquela memória que surgiu fora de contexto o fez rir, era bom se lembrar dos pais quando ele era jovem e ainda morava com eles. Às vezes se arrependia de ter saído de casa e começado a passar cada vez mais tempo longe do sítio. Não que tivesse sido por opção dele, na verdade foram os pais que o educaram em casa até os quatorze anos e depois o enviaram para morar com a tia, que lhe deu um telhado e comida enquanto ele cursava o ensino médio e a maior parte da faculdade.

Aquela era outra parente que ele não costumava visitar muito. Mas essa não era por morar em um lugar praticamente inacessível. Tia Berta era solteirona e vivia para falar mal dos outros, e por outros Paulo queria dizer seus pais. Ela não conseguia entender como eles tinham se mandado para o meio do mato, muito menos o porquê de eles gostarem de viver lá. Quando eles a avisaram de que estavam esperando uma criança, Berta ameaçou chamar o conselho tutelar para tirar Paulo dos cuidados dos pais. Segundo ela, nenhuma criança criada no meio do mato poderia resultar em uma boa pessoa.

Paulo já sabia que queria ser médico muito antes de ter que de fato escolher uma universidade, mas o prazer que ele sentiu ao mostrar a sua classificação entre os dez primeiros colocados para a universidade local foi quase indescritível. A expressão no rosto da tia quando ele a perguntou sobre as crianças criadas no mato foi impagável.

Paulo começou a olhar ao redor, de lá, de cima do telhado, as árvores não pareciam tão grandes, e a floresta ao redor não parecia tão ameaçadora como quando se está entre as árvores e se sente perdido ouvindo todos aqueles animais.

Não tem nada de assustador, talvez esse seja o segredo do homem para entender a natureza, nós evoluímos para fora dela e passamos a ignorá-la. Talvez com o tempo, nós tenhamos perdido a compreensão da natureza porque não pertencemos mais a ela. Daqui nada parece assustador como quando estamos perto, daqui a floresta só parece viva. Como se exalasse existência.

Pensando nisso, Paulo se levantou e observou alguns pássaros que voavam próximos da casa. Ele começou a seguir os movimentos dos animais, rodou de um lado para o outro, lembrando de quando fazia a mesma coisa no chão quando era criança.

Ele devia ter focado no que estava sob seus pés, não no que acontecia acima da sua cabeça. No meio daqueles giros, um de seus pés saiu da parte do telhado coberto de concreto e escorregou em uma das telhas cobertas de folhas. Foi como se um filme passasse em sua cabeça, não um filme de toda a sua vida como dizem os filmes, nem com todos os momentos importantes que é o que alguns defendem. Foi apenas aquele momento, o presente, ele caindo do telhado, porém em câmera lenta.

Paulo se viu caindo e se contorcendo em todas direções, como um gato quando está caindo.

Talvez seja esse o segredo, talvez assim eu caia como um gato!

Mas antes que Paulo pudesse pensar em mais alguma coisa, como por exemplo, o que um gato faria na sua situação, sua mão encostou na beirada do telhado e ele conseguiu se segurar. Fazendo muito esforço conseguiu também se prender com a outra mão. Agora ele só tinha que dar um jeito de jogar o resto do corpo de volta para cima do telhado. 

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora