Capítulo 20

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Paulo estava deitado, observando Alice andar de um lado para o outro e pensando em como Julia podia ter tão pouco tato para alguém que era formada em psicologia. Ele duvidava seriamente que ela tratasse seus pacientes da forma que estava tentando lidar com Alice. Até onde ele conseguia se lembrar, Julia sempre tinha sido elogiada no seu meio de trabalho. E por que justo agora ela agia daquela forma?

Não pode ser ciúmes, ou inveja pode? Nós terminamos há muito tempo, nos demos bem depois disso... ela até sabia que eu tinha começado a namorar outra pessoa. Não, ela só perdeu um pouco do senso dela. Também quem não perderia um pouco da capacidade de socialização depois de um ano basicamente isolado de tudo e de todos?

― O que você tanto pensa aí deitado nessa cama? - perguntou Alice, ainda irritada ― Você tá pensando em fazer alguma coisa? Tipo, mandar ela pra casa? Não sei como você conseguiu namorar com ela por tanto tempo.

― Calma lá, eu conheço ela muito bem, isso deve ser o estresse falando mais alto. Acho que você tá reagindo exageradamente, eu não vou mandar ela pra fora no meio dessa confusão. - ele respondeu, pensativo.

― Sério? Ela fica tentando me fazer passar raiva e você me enxerga como a malvada? Se fosse o contrário, se ela tivesse um ataque de raiva por minha causa, o que você faria?

― Bem, provavelmente eu estaria fazendo a mesma coisa, deitado e pensando na vida. - ele respondeu, calmo ― Me diz uma coisa, por que você ficou tão irritada por causa de uma foto? Especialmente aquela foto, que você já tinha visto, provavelmente mais de uma vez.

― Ah, sei lá. Talvez eu não estivesse esperando que ela ainda saísse por aí mostrando fotos de vocês pra todo mundo como se ainda estivessem juntos. - ela respondeu, gesticulando como que diz "deixa pra lá".

Paulo notou esse sinal, mas não conseguiu interpretá-lo direito, se ela queria deixar o assunto pra lá, por que não conseguia se acalmar?

― Sabe, ela não sai mostrando essas fotos pra todo mundo, até porque ela não saía de casa regularmente. - ele comentou, tentando amansar a namorada.

― E você acha que isso é um comportamento normal? Ainda mais para alguém que trabalha com saúde mental.

Em vez de acalmá-la, parecia que o comentário de Paulo tinha dado um novo combustível para Alice, como se a ideia de que ele tivesse namorado uma eremita a irritasse mais do que o fato de ela ainda ter fotos com ele.

― Sua irritação tem algo a ver com o fato de você ter quebrado o porta retratos em que ela estava? - Paulo perguntou, como quem não quer nada, testando sua reação.

― Meu Deus! Foi isso que ela te contou? E você acreditou? - ela parecia ter o grau certo de surpresa.

O grau de surpresa certo demais talvez, quase como se ela soubesse a reação que eu esperava.

― Tudo bem, - ele levantou as mãos - eu precisava tentar. Então me conta sua versão da história, eu não estava lá.

Paulo a observou contar sua versão dos fatos, ela andou distraidamente procurando Julia no apartamento, até que percebeu onde ela estava e se virou rápido demais e acabou acertando o porta retrato com o ombro. Fim da história. Alguma coisa no tom dela, ou talvez na expressão no rosto dela, parecido com a expressão que os cachorros fazem quando querem comida, deu a Paulo a impressão de que aquilo não era tudo.

Paulo se sentia em um conflito interno enorme, ele nunca imaginou que enfrentaria uma situação dessas. Afinal, seus pais podem ter ensinado como sobreviver a terremotos, enchentes, a caçar e várias outras coisas, mas ninguém nunca o ensinou a lidar com uma discussão entre a ex-namorada e a atual.

De um lado ele via Julia, sua primeira namorada, com um relacionamento de anos, se ele precisasse sabia que podia contar com ela para qualquer coisa, assim como ela confiou nele quando precisou. Do outro lado estava Alice, sua atual, ele a amava, mas não gostava de fazer o tipo de comparação que passava pela sua cabeça no momento, comparar alguém que conhece toda a sua vida com alguém que por mais próximo que seja, te conhece há menos de um ano.

Além disso, a Alice já mostrou que pode não ser a pessoa mais confiável do mundo. Não foi ela, que na noite anterior o chamou para jantar com o pretexto de não ter passado muito tempo com ele durante a semana e o arrastou para um jantar de negócios? Pois é!

Cansado de ficar preso em seus pensamentos ou de ouvir Alice reclamando, ele ligou a televisão, não para assistir aos noticiários, que acabaram tomando conta de grande parte da programação dos canais, mas para buscar algo diferente para assistir. Acabou optando por uma novela. Ele se lembrava de ver a mãe assistir aquela mesma novela quando ele era pequeno, talvez isso o fizesse lembrar de algo que ele estivesse deixando passar despercebido.

Pelo canto do olho ele notou o movimento de Alice jogando um dos seus vários remédios na boca e tomando um pouco de água. Depois disso, ela lançou um olhar para ele, que foi impossível de interpretar daquele ângulo, e saiu do quarto.

Eu deveria sair daqui pra garantir que elas não vão criar mais confusão, certo?

Ele pensou, mas preferiu ficar quieto na cama, afinal, Julia e Alice eram duas mulheres adultas, elas iriam acabar descobrindo um jeito de se aturar mutuamente. Pelo menos era o que ele esperava, até estava torcendo para que isso acontecesse o mais rápido possível, pois nenhum deles aguentaria muito tempo se estivessem sempre envolvidos em drama sem sentido.   

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora