Capítulo 27

6 4 0
                                    

Alice estava sentada na sala, como se tivesse entrado em um estado de transe. Tudo aquilo estava acontecendo por uma única razão. E a razão estava a poucos metros dela, sentada na bancada da cozinha como se nada tivesse acontecido.

Será que ela não vê que tudo é culpa dela? Que toda essa confusão começou depois de ela querer ficar aqui com a gente? Meu Deus, que tipo de pessoa deixa a ex-namorada viver na mesma casa em que está com a nova namorada?

Uma parte da sua mente, aquela que tentava lutar contra os impulsos do vício e da personalidade parcialmente degenerada, tentava lhe dizer que a culpa não era de Julia, que o fato de Julia estar ali nem mesmo lhe dizia respeito. A parte controladora de sua mente respondeu.

Bem, se não é culpa dela, então por que o remédio está com o nome dela? Se ela não estivesse aqui, se a gente não tivesse ido até aquele apartamentinho podre pra começo de conversa, eu não teria visto um vidro cheio de felicidade dando mole no banheiro.

O fato é que Alice gostava de estar em controle de todas as situações da sua vida e, como não estava conseguindo, afinal ninguém conseguiria, sua ideia de sobrevivência era achar um culpado para seus problemas. Não que isso fosse um comportamento exclusivo dela, na verdade é muito comum que as pessoas façam isso para se sentir menos culpadas pelos próprios fracassos.

Ela se levantou e se aproximou de Julia na cozinha.

― Quando você disse mais cedo que essa situação seria uma ótima oportunidade para mim, você não estava se referindo ao enorme lucro que eu vou ter por causa de toda essa destruição, não é?

― Não, na verdade eu estava pensando mais em algo como doação em massa de medicamentos. - Julia respondeu sinceramente, achando que talvez Alice realmente não tivesse entendido sua ideia.

― E depois você me dedurou para o meu namorado por causa de um remédio... - Alice continuou, dando a volta na bancada.

― Pois é, o que aconteceu foi que eu apontei a data em que o remédio tinha sido produzido. Ele tirou as próprias conclusões. - Julia respondeu, olhando no fundo dos olhos de Alice.

― Sabe, desde o começo dessa confusão eu achei que ter você aqui era uma péssima ideia...

― É, eu imaginei. Você não é a melhor pessoa em esconder seus sentimentos mais fortes. Dava pra ver na sua expressão, quase o tempo todo. - Julia a interrompeu.

― E ainda assim você ficou? - Alice perguntou, se questionando se ela não era tão ameaçadora quanto pensava ou se a mulher à sua frente não tinha medo dela.

Talvez um pouco dos dois.

― Olha, eu sei que o que acontece nessa casa é completamente estranho. Para mim também é, pode acreditar. Mas eu não tinha outro lugar para ficar. - Julia respondeu.

― E o seu apartamento? Aquele templo de solidão, mal cuidado que você chama de lar. - Alice começou a falar mais alto, destilando veneno.

Veneno não, todas aquelas drogas que você tomou por conta própria, como se não fossem nada.

― Meu apartamento foi ótimo, ele foi o que eu precisava que ele fosse, um refúgio. Mas eu não estaria tão segura lá como nós estamos aqui. Da mesma forma que você não estaria tão segura se estivesse no seu apartamento. - Julia respondeu, se levantando e indo até a janela.

Alice abriu uma gaveta, tomando cuidado para não fazer barulho. Sua mão se fechou em torno de um cabo. Ela foi andando até Julia, com a mão parada do lado do corpo e parou por um segundo.

O mal tem que ser cortado pela raiz, não é assim que as pessoas falam?

Ela levantou o braço.

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora