Capítulo 19

12 4 0
                                    

Julia suspeitava sobre o que poderia ter causado o ataque de raiva (de ciúmes, talvez?) de Alice. Se ela fosse sincera consigo mesma, o que ela conseguia fazer melhor do que muitas pessoas, a razão para ter trazido a foto não era para causar essa reação, e sim para mostrar para Alice que ela entendia o que ela tinha feito em seu apartamento. Tentado marcar território.

O problema, ou melhor, parte do problema dessa ideia é que o território que Alice queria marcar já era bem conhecido por Julia, mais conhecido do que para qualquer outra pessoa, possivelmente. A outra parte, e a principal na verdade, é que mesmo conhecendo o território e as intenções de Alice ao quebrar o porta retrato, Julia não queria competir por Paulo, de forma nenhuma.

Eles tiveram um relacionamento longo e saudável, mas acabou, era passado. Isso, no entanto, não impedia que os dois pudessem ser amigos. Além disso, aparecer na porta da casa de Paulo foi mais um instinto do que qualquer outra coisa, o seu subconsciente resgatou a memória de uma promessa antiga, que ironicamente foi lembrada por Paulo ao mesmo tempo.

Isso tudo passava pela mente de Julia enquanto conversava com Paulo. Ela notava que ele havia ficado preocupado com a reação da namorada, mas ele não sabia da razão por trás dessa explosão. Mesmo admitindo para si mesma que não era o cenário ideal, pois elas teriam que aprender a conviver uma com a outra se quisessem sobreviver ao que poderia acontecer daqui em diante, mas não conseguia deixar de pensar como tinha sido engraçado ver a expressão no rosto de Alice quando ela se jogou pelo corredor.

Como é mesmo o nome daquela sensação? Ah... claro, schadenfreude!

― Desculpa, o que você disse? - Paulo perguntou.

Droga!

― Nada não. Eu só pensei alto por um segundo.

― Tem certeza? Porque pareceu que você estava se deliciando com o estresse da Alice, só que em alemão. - ele comentou, olhando diretamente nos olhos dela.

Julia o encarou de volta, tentando ler em seus olhos como ele saberia daquilo.

― É, sabe, eu ainda lembro das histórias que você me contava sobre o maluco sádico que te dava aulas de alemão. Se eu me lembro bem, essa era a palavra que ele usava toda vez que ria de você e dos seus colegas quando as notas eram ruins. não é?

― Quer saber? Você lembra de coisas muito aleatórias pra alguém que deveria focar em informações que ajudam a salvar vidas, eu tenho certeza que saber essa palavra específica não vai te ajudar em nada.

― E ainda assim, aqui estou eu, tentando entender porque minha ex-namorada, que precisa da minha ajuda, não consegue se dar bem com a minha nova namorada, mesmo que nós dois sejamos aparentemente amigos.

― Tudo bem, eu não deveria rir de coisas assim, eu sei. Mas se você quer saber, eu não ri do estresse dela, eu ri da reação porque não era o que eu esperava; - Julia tentou se explicar.

― Então você estava esperando algum tipo de reação. E por que, exatamente? - Paulo quis saber.

― Bem, mais cedo, quando a gente foi até meu apartamento para pegar algumas coisas, você disse que depois de arrumar o básico a gente poderia pegar coisas de valor sentimental. - ela começou.

― Eu não precisei te lembrar disso, tenho certeza que ainda se lembra dos meus pais ensinando isso pra você em pelo menos umas cinquenta oportunidades, quando você costumava ir lá pra casa.

― É, eu lembro. Enfim, ela foi até o meu quarto e quando eu estava de costas pra ela, logo que ela entrou sem fazer nenhum barulho, sua namorada viu essa foto, - ela puxou a foto que estava solta no álbum. - e teve um pequeno ataque, aliás, parece que ela tem muitos desses, então antes que eu a notasse, Alice quebrou o porta retrato. Enquanto ela foi até a cozinha pegar a vassoura, eu peguei a foto e a coloquei no meio do álbum, para que não corresse o risco de rasgar no meio dos cacos de vidro.

― A Alice? Quebrou um porta retrato, simplesmente porque tinha uma foto de nós dois juntos? Sabe, eu acho que você tá exagerando, nesse álbum tem várias fotos nossas e ela não reagiu assim quando viu as outras.

― Só que nas outras a gente não estava sozinho, sempre tinha um grupo de amigos e família com a gente. - comentou Julia, tentando provar um ponto.

― Sabe, talvez esse último ano de reclusão não tenha te feito muito bem, claramente você tá tentando usar sua formação pra tirar conclusões precipitadas sobre minha namorada. E para quê? Ela já conhecia essa foto. - ele levantou do sofá e foi até uma das gavetas do móvel em que a televisão ficava.

De lá ele retirou uma caixa de madeira, abriu a caixa e mexeu um pouco nos papéis que estavam dentro dela. Julia notou que eram fotos. Paulo estendeu uma delas para que ela a visse. Era a mesma foto que ela tinha na outra mão, ela não sabia que Paulo tinha uma cópia dela.

Na foto, os dois estavam sentados em um sofá num ambiente com muitas pessoas ao fundo, os dois estavam bronzeados e, se olhasse com bastante atenção, era possível ver que os dois tinham marcas nos ombros, denunciando as horas que passavam no sol sem se preocupar em usar protetor solar. Julia se lembrava daquela viagem, tinham passado duas semanas incríveis na praia.

Ela devolveu a foto, Paulo quase a tomou de volta, puxando com mais força do que era necessário. Ele estava com raiva, com raiva dela, Julia notou. Para Paulo, era ela, Julia, que estava provocando Alice. Aparentemente ele não conseguia conceber que o contrário também era uma possibilidade bastante aceitável.

Julia o observou enquanto ele se juntou à namorada no quarto e fechou a porta. Ela estava meio cansada por causa dessa discussão completamente deturpada, se levantou e saiu para a varanda de trás da casa, talvez ficar do lado de fora ajudasse a clarear sua cabeça.

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora