Capítulo 51

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Após a descoberta do cadáver infectado, os dois tiveram o maior cuidado ao transportá-lo para próximo da casa. Paulo guiou Julia através da mata de volta para a clareira onde a casa ficava enquanto carregavam o corpo em uma sacola branca que Paulo tinha buscado no porão e também de luvas para poder colocar o corpo na sacola sem encostar diretamente na pele contaminada.

― Por que não levamos direto para dentro? Aqui fora a decomposição vai continuar. - comentou Julia.

― Eu sei que você tem andado mais ocupada que eu depois que chegamos aqui, mas vou precisar da sua ajuda agora. Eu vou preparar o porão para poder estudar esse fungo e descobrir como impedir a infecção, enquanto isso preciso que você traga gelo e coloque por cima da sacola com o cadáver. - Paulo respondeu, sério.

― Claro, sem problemas. - ela respondeu, mas Paulo já tinha ido para dentro de casa e estava descendo os degraus que levavam ao porão.

Lá em baixo a limpeza começou, mudando seu estado de espírito. Finalmente faria algo para o qual estava preparado. Aquela situação faria seu tempo livre valer a pena e ele deixaria de se sentir inútil.

Porém, antes de ser realmente possível fazer algum tipo de experimento no porão, Paulo teria que limpar os equipamentos, retirar os plásticos que estavam cobrindo tudo naquele cômodo e colocar os mesmos plásticos envolvendo todas faces da escadaria que faziam a comunicação do porão com o resto da casa. Ele teria que prender os plásticos nos degraus, nas paredes e até no teto, lembrando de deixar um pouco do plástico para as duas portas, de forma a criar uma comunicação para que ele pudesse colocar um macacão e equipamentos de proteção sem correr o risco de contaminar o resto da casa.

Mais importante ainda, aquele corredor que faria o papel de sala de esterilização impediria que ele e Julia fossem contaminados. Isso se houvesse chance de o fungo realmente infectar seres humanos, o que era apenas uma hipótese até o momento e nenhum dos dois gostaria de ser cobaia.

Nas horas em que limpava os equipamentos, Paulo também se lembrou de ligar os que precisavam de energia elétrica como o congelador onde deixaria o cadáver e a estufa onde deixaria que as amostras do fungo crescessem. Antes de prender as sacolas plásticas ao redor da escada, ele voltou ao lado de fora e viu que Julia não apenas tinha feito o que ele tinha pedido, cobrindo a sacola com o cadáver de todos os lados com gelo, como também tinha ficado sentada nos degraus da porta de trás da casa, observando se o derretimento do gelo não exporia nenhuma parte da sacola branca.

Paulo agradeceu pela disponibilidade e, carregando a sacola com o cadáver, espalhou o gelo pelo gramado. Julia, observando enquanto o gelo era espalhado, não conseguiu se conter.

― Eu tive todo esse trabalho de cuidar do gelo em cima da sacola, ficar mudando as pedras de gelo de lugar quando começavam a derreter... para você espalhar tudo pelo gramado?

― Eu já liguei o congelador lá embaixo, a gente não vai precisar de todo esse gelo dentro do congelador.

Julia processou o que ele disse e aceitou como um bom argumento.

Paulo voltou para o porão com o cadáver e o depositou dentro do congelador, daqueles grandes congeladores industriais. Feito isso, o próximo passo na transformação do porão em laboratório era a colocação dos plásticos na escada. Paulo passou menos tempo do que esperava realizando esta tarefa, o plástico parecia se aderir bem às superfícies em que tinham sido colocadas tiras de fita adesiva. Depois de testar a resistência e descobrir que os plásticos não desgrudariam, destruindo todo o seu trabalho, Paulo criou duas cortinas com o plástico restante, uma para funcionar como porta no último degrau e outra que ficaria na porta, no primeiro degrau.

Inicialmente, Paulo queria envolver a porta inteira em plástico, mas depois de analisar o resultado se decidiu por fazer uma cortina exatamente igual à primeira, que ele posicionou logo atrás da porta. Dessa forma, quando alguém abrisse a porta daria de cara com o plástico. Depois do corredor estéril pronto, Paulo foi até o quarto dos pais

Eu devia começar a chamar de meu quarto...

Se abaixou e procurou uma das caixas que tinham em seu interior pertences do pai. Lá de dentro, ele puxou um macacão, que foi colocado em um cabide e pendurado no final da escada. Assim, toda vez que ele fosse entrar no seu novo laboratório se lembraria de trocar de roupa, e voltaria a tirar o macacão ao sair, de forma a não correr o risco de levar o fungo para fora do laboratório.

A pesquisa então foi iniciada. Paulo retirou amostras de tecidos do pequeno mamífero que tinha ficado preso em sua armadilha. As alterações que a infecção tinha causado na aparência do animal o tornava irreconhecível, mas Paulo desconfiava que não era um sintoma direto da infecção fúngica e sim algo secundário, como se o animal se machucasse mas não tivesse mais controle sobre suas reações, fazendo com que não reagisse a nenhum ferimento e seguisse a vida como se nada tivesse acontecido.

Não era possível ter certeza disso, a única coisa que indicava que a hipótese pudesse estar correta era o conhecimento comum de que animais que sofriam lesões por qualquer razão aprendiam a evitar que esse tipo de situação acontecesse novamente.

A visão daquele corpo, visivelmente afligido por uma enfermidade muito grave, fez Paulo acelerar seu trabalho. Retirando as amostras de maneira eficiente, como quem tem o hábito de trabalhar em um laboratório, não foi preciso muito mais que algumas horas para que todas as placas de petri utilizadas estivessem dentro da estufa.

Do lado de fora do porão o fim da tarde se aproximava. Uma vez de volta à cozinha, Paulo se deu conta de que estava com muita fome. Lembrando que não tinha comido nada desde o café da manhã, foi com certa relutância que Paulo deu meia volta e foi até o banheiro para tomar um banho e ter certeza de que não deixaria o mínimo risco de contaminar o resto da casa.

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora