Capítulo 39

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Paulo não conseguia acreditar no que Julia tinha feito. Dar um grito daqueles só porque viu um cadáver?

Tudo bem, ela nunca deve ter visto uma pessoa morta tão de perto. Quer dizer, uma pessoa morta e destruída, porque com certeza ela já viu pessoas mortas em funerais, mas nessas ocasiões os mortos sempre estão arrumados dentro dos caixões.

Ele tinha que se concentrar no caminho, agora eles estavam passando pelo que uma semana antes era o centro da cidade. Agora não passava de um conjunto de destroços relativamente organizados pela ação social. Paulo devia admitir que a resposta da prefeitura havia sido rápida, no dia seguinte ao terremoto já haviam formado uma comissão de limpeza e busca por desaparecidos.

Não havia muito o que ser feito além de organizar as pilhas de destroços para serem recolhidos. Os corpos eram achados muitas vezes em pedaços, na maioria dos casos era impossível fazer qualquer tipo de reconhecimento que não fosse por amostras de DNA, como eram muitas pessoas, esse método foi rapidamente descartado.

Paulo, que havia acompanhado as notícias regularmente até aquele dia, sabia que foi levantada a possibilidade de abrir uma fossa comunitária para que os cadáveres tivessem um lugar para serem destinados. A secretaria de saúde pública rechaçou a ideia, mas o prefeito ainda fazia questão de analisar essa ideia mais profundamente.

O que ele conseguiu apreender da vista foi que a "limpeza" começou de forma rápida, pode-se até dizer que de forma eficiente, de forma que as ruas já estavam transitáveis, mas ainda havia muito a ser recolhido e provavelmente muitos corpos ainda deveriam ser achados no decorrer dos próximos dias.

Paulo ainda repensava se sair da cidade era a coisa certa a se fazer. A parte da sua mente que estava focada em sobreviver sabia que ele faria o que era necessário, mas outra parte, a parte médica da sua mente, que analisava tudo de forma clínica e distante, ainda se questionava se fugir do centro de ação era o mais ético a se fazer, se seguir os ensinamentos dos pais nessa situação não seria imoral de sua parte. Sendo um médico, as chances eram de que fosse convocado para servir à população necessitada. Não convocado como se fosse para o exército nem nenhum outro serviço militar, apenas chamado para prestar o serviço para o qual estudou durante tanto tempo.

Pode ser algo egoísta, mas provavelmente é o certo. Mas quem liga pro que é certo ou errado agora, o mundo está todo destruído.

Seus pensamentos pareciam querer convencê-lo de que ele estava correto ao correr atrás da própria salvação deixando os outros por sua conta e risco, a maioria sem o menor conhecimento sobre sobrevivência.

Dane-se! Se eu ficar pensando assim nunca terei paz. Então eu vou encontrar um meio termo. Nós vamos para o sítio, vamos nos proteger o máximo que for possível, enquanto isso eu vou procurar uma maneira de ajudar outras pessoas, quem sabe achar uma maneira de tornar o mundo um lugar um pouco menos desolado em relação ao que ele se tornou depois da noite de quinta-feira!

É, era isso que ele ia fazer. Iria começar a estudar o que poderia ser feito para ajudar o mundo assim que tivesse se instalado de forma correta no sítio. O que poderia levar algum tempo, pois teria que colher o que quer que tivesse nascido na horta (ele não mantinha suas anotações sobre plantação em casa, mas como ia ao sítio a cada poucos meses encontrava esse tipo de informação em um caderno no próprio sítio), para remexer na terra e começar novas plantações, talvez consertar algum estrago que poderia ter ocorrido desde sua última visita. E aí sim, ele teria tempo para se concentrar no problema do mundo.

Não adianta querer salvar o mundo se eu morrer de fome antes de ter conseguido alguma coisa. Eu devia falar sobre isso com a Julia.

Mas ele não teve tempo de expressar suas ideias.

Esteve tão concentrado em resolver suas questões sobre ética e moralidade que não percebeu o tapete de tachinhas que estava na sua frente.

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora