Capítulo 15

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Alice não teve muito tempo para pensar, em um momento ela observava a barragem com medo do que poderia acontecer, no momento seguinte seu medo se concretizou e no mesmo segundo ela foi jogada com força para trás. Ela observou o carro ganhar velocidade quase instantaneamente, enquanto Paulo manobrava e xingava tudo o que surgia na sua frente.

A água não ia atingi-los imediatamente, entre eles e a barragem havia uma extensão considerável de terra. Isso não ia parar a destruição, no máximo iria diminuir minimamente sua velocidade. O silêncio que dominava o carro finalmente acabou no momento em que, alguns quilômetros mais tarde, a água passou a ser visível no retrovisor do carro. Alice se virou no banco para observar. A cena parecia saída de um filme, não havia nada além do asfalto em que eles seguiam, na maior velocidade em que conseguiam, e água. Muita água. Era como se eles estivessem sendo perseguidos pelo oceano.

Ela observou a água se aproximar e, sem querer ver o que iria acontecer em seguida, voltou a se virar para a frente. O que viu não foi muito acalentador, a cidade parecia cada vez mais destruída, e aquela onda que estava chegando com certeza não ia ajudar muito. Algo que ela pôde notar, com certo peso na consciência, foi que os buracos criados pelo terremoto na noite anterior serviram como um tipo de barreira física. Eles não barravam o caminho em si, mas a água perdia cada vez mais velocidade por ter que preencher esses buracos antes de continuar no seu caminho de destruição.

E foi então que Alice percebeu o erro do seu raciocínio. A altura da água diminuía um pouco a cada buraco que antes era ocupado por edifícios e casas, mas também tapava buracos no asfalto e impedia que Paulo os enxergasse para ser capaz de desviar. A água já tinha ultrapassado o carro e começava a atrapalhar a visão do caminho à frente deles. Ao mesmo tempo, a água começou a invadir o carro pela parte de baixo das portas, além disso, para não correr o risco de literalmente cair em um buraco Paulo se viu obrigado a diminuir a velocidade.

O pânico se instalou na mente de Alice, não era daquela forma que ela imaginou sua morte, afogada em um carro com o namorado e a ex dele, possivelmente dentro de um buraco que surgiu depois de um desabamento. Para ser justo, o tipo de pessoa que consegue criar essa imagem mental provavelmente está, ou devia estar, internada em hospitais psiquiátricos.

Alice colocou os pés em cima do banco do passageiro e abraçou a mochila com seus poucos itens pessoais como se ela fosse capaz de protegê-la. Olhando para trás ela pode observar que Julia estava na mesma posição que ela e sua mochila estava ao lado. Mais atrás ela conseguia ver que o nível da água havia diminuído muito, não demoraria a se espalhar pelas ruas de forma a não passar de um espelho d'água.

Se pudesse, aposto que Paulo também colocaria as pernas para cima, ele deve estar ensopado.

Ela o estudou por alguns instantes e notou o mesmo olhar muito concentrado que havia visto mais cedo. Naquele momento ela percebeu que o amava de verdade. Afinal, quem não amaria um namorado que não hesitava em momentos catastróficos e extremamente tensos, nos quais a maior parte das pessoas sucumbiria às emoções? Mais do que atração, o que ela conseguia sentir agora era admiração, admiração por aquela parte que seu namorado escondia na maior parte do tempo, ou simplesmente não mostrava porque não era necessário normalmente.

Voltando a se concentrar no caminho à sua frente, Alice foi capaz de notar não apenas a destruição de construções, mas de tudo ao redor, a natureza não existia mais, várias pessoas estavam nas ruas sem acreditar no que estavam vendo, algumas delas chorando copiosamente. Algumas dessas cenas ficariam gravadas no cérebro de Alice até o fim de sua vida, como a criança que ela viu segurando o corpo sem vida de um cachorro, e os dois quase sendo levados pela força da água e também uma senhora sentada em uma beirada, o que antes havia sido o chão de alguma parte de seu apartamento servindo agora como ponto de observação da destruição, já que a parede havia caído levando uma parte dos móveis do ambiente.

Depois dessas visões avassaladoras, Alice abaixou a cabeça, apoiando-a nos joelhos para não ver mais nada. Ela só levantou a cabeça novamente quando sentiu o carro ser desligado. Com a maior velocidade que conseguiu, pois estava tremendo muito, ela se soltou do cinto de segurança e abriu a porta, esperando alguns segundos para que uma parte da água acumulada no chão do veículo saísse pela abertura e saiu do carro tomando muito cuidado para não cair no chão.

Ela não viu Paulo surgir do seu lado, sentiu apenas suas mãos lhe oferecendo apoio, que ela aceitou, agradecida e se deixou ser guiada para dentro de casa, com a mochila arrastando atrás dela. 

Te vejo no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora