O corte do jovem não era profundo e tudo o que me restava fazer era segurar o ferimento para estancar o sangramento até a ambulância chegar, o que foi bem rápido. Minhas mãos estavam cobertas de sangue e fui me lavar antes de começar os preparativos para ir embora daquele lugar.
Estava no banheiro da pequena delegacia, esfregando o sangue já parcialmente seco entre meus dedos. Era uma das piores sensações da medicina: limpar sangue das mãos nuas. Normalmente, quando se está em um hospital, há um preparo antes do atendimento ao paciente. Usamos luvas, máscara, avental, equipamentos que nos trazem proteção contra doenças e uma falsa sensação de impessoalidade, como se na verdade não estivéssemos tendo contato com o ferido. Mas ali foi tudo tão repentino que não havia tempo de fazer nenhuma preparação e agora eu estava limpando o sangue de um inocente de minhas mãos.
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Já passava da meia-noite quando o jatinho decolou. Não muito tempo depois, todos já estavam se acomodando para dormir um pouco. Provavelmente chegaríamos ainda na escuridão. Por sorte, o caso não havia demorado para ser resolvido e em menos de 24 horas eu já estaria de volta à minha rotina normal. JJ sentou-se ao meu lado, nas poltronas do avião:- Você está bem? Não disse nada desde que toda a confusão terminou. - ela percebeu que eu estava quase me afogando em minha própria mente.
- Sim, tudo bem. Só um pouco... extasiada... com tudo isso. - a palavra que eu deveria ter usado era "assustada".
- Ok então. Te darei uma carona quando chegarmos. Ou se quiser ir lá pra casa, tenho certeza de que Henry e Will adorariam tê-la conosco no café da manhã.
- Obrigada, mas acho que prefiro ir pra casa... Preciso pensar em tudo o que aconteceu. Mais tarde combino de vê-los, de repente vamos ao parque. - brincar com Henry poderia ajudar a aliviar minha tensão depois que colocasse os pensamentos no lugar.
- Ótimo! Eu aviso o Will que você vai ligar. - JJ me deu um abraço maternal, daqueles que ela sempre me dava quando eu estava precisando. Desde que me mudei para longe de minha mãe, ela estava me ajudando a lidar com a ausência. E ela fazia isso muito bem.
Percebi que Reid nos observava e abaixei os olhos, sentindo o rubor tomar conta novamente de minha face. Ainda não entendia direito o que havia acontecido na delegacia e o constante olhar atento dele só me deixava mais constrangida por não saber lidar com a situação.
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Cheguei em casa, tomei um banho e fui tentar dormir, já que havia ganhado o dia de folga após o trabalho exaustivo. Depois de repetir em minha mente muitas e muitas vezes tudo o que havia acontecido, o cansaço finalmente me venceu e peguei no sono. Acordei pouco depois do horário do almoço, mas ainda sem fome por ter comido com JJ na ida para casa.
Liguei para Will e combinei de nos encontrarmos mais para o fim da tarde, num parque ali perto. Faríamos um lanche ao estilo piquenique, um dos programas favoritos de Henry. JJ também estaria livre e faria seu maravilhoso mousse de chocolate para comermos. Eu fiquei encarregada de fazer alguns sanduíches.
Almocei, fiz alguns relatórios para o trabalho, preparei os sanduíches e assisti a um filme que estava passando na TV. Próximo do horário marcado, fui caminhando em direção ao parque ouvindo uma playlist calma de Jack Johnson.
Chegando lá, Will e JJ já haviam estendido uma toalha no chão. Henry me viu e correu em minha direção para me abraçar. Eu o apertei contra meu corpo, levantando-o do chão. Era muito bom receber aquele abraço inocente e sincero depois de vivenciar tantas monstruosidades. Traz esperança, traz aquela sensação de acreditar de novo na humanidade. Traz vontade de lutar para proteger aquela preciosidade de todas as maldades do mundo.
Abracei meu irmão e senti a segurança que ele me transmitia quando criança. Finalmente estava tudo bem. Sentei na toalha junto deles.
- Está melhor? - JJ perguntou enquanto eu tirava os sanduíches da sacola.
- Sim, muito! - eu sorri. Will nada disse, pois já deveria saber de tudo e me conhecia como ninguém.
Henry nos distraiu do assunto contando sobre trabalhos da escola e amiguinhos. Logo ele teria uma apresentação, no aniversário do colégio, e é claro que todos nós iríamos prestigiar esse momento.
- Hey, pessoal! - levei um susto com a voz conhecida vindo de trás de mim. Henry abriu um sorriso enorme e correu na direção da voz. JJ riu de mim e eu a fuzilei com os olhos.
- Spence, finalmente você chegou. Achávamos que não viria mais! - JJ disse animada. Me virei para trás e encontrei Henry no colo de Reid, abrindo um pacote de presente o qual eu já sabia que continha alguns quadrinhos do Batman.
- Não perderia um piquenique desses por nada! - ele respondeu.
Ele se sentou na toalha e Henry nos distraiu mais uma vez. Meu sobrinho estava radiante. Como ele mesmo disse, suas "pessoas preferidas no mundo" estavam todas reunidas fazendo piquenique.
Não demorou muito para que JJ achasse uma desculpa para que eu e Reid ficássemos sozinhos. Incrível como as atitudes dela se pareciam com as de minha mãe não só nos abraços maternais.
Ela queria meu bem, sabia que eu precisava conversar com alguém sobre o que aconteceu e, como Reid estava ao meu lado todo o tempo, ela achou que ele seria a melhor opção. Eu concordo com o raciocínio dela, mas a parte de me abrir seria bastante difícil. Nunca fui de conversar muito sobre o que me aflige, normalmente guardo tudo para mim. Saímos caminhando pelo parque, apreciando as sombras das árvores enormes.
- O que exatamente aconteceu na... no final do caso? - confesso não querer mais nem mencionar a delegacia.
- Morgan disparou ao ver o refém em perigo. Tiro certeiro, como de costume. O assassino morreu na hora. - ele fez uma pausa longa - Sabe, é uma sucessão de erros. Todos nos sentimos culpados quando alguém morre, mesmo sabendo que nada do que fizéssemos naquele momento poderia mudar o que aconteceu, mesmo o morto sendo um assassino.
- Erros? Mas vocês não fizeram nada errado.
- Realmente não erramos, mas é como se tivéssemos falhado no dever de preservar uma vida. Poderíamos ter previsto um possível ataque à delegacia e nos prevenido. Eu poderia ter convencido o homem a largar a arma. Morgan poderia não ter o acertado em um lugar fatal, mas então um inocente poderia ter se machucado. - ele deu um suspiro - Eu sei, é confuso, mas nós ficamos pensando nisso por muito tempo após o final de um caso, mesmo isso acontecendo com certa frequência. É o tipo de coisa que não se acostuma, independente de quanto tempo se trabalhe.
Estava surpresa. Sabia que ele Reid também não era de se abrir com as pessoas, era bastante calado quanto ao que sentia. Bom, ele falou o que o afligia e agora era minha vez.
- No meu trabalho, vejo mortos todos os dias. Mas nunca havia presenciado a morte, o momento exato em que a vida deixa o corpo. Tão fria, tão brutal, tão perto. A vida é frágil e eu nunca havia percebido, é muito fácil de terminá-la.
- Não se preocupe. O que você sente, o choque que teve após o acontecido, tudo isso é comum. É a reação normal para essa situação anormal. Todos passamos por isso, em maior ou menor intensidade. O confronto com a monstruosidade que o homem pode se tornar e com o que ele pode fazer tende a nos deixar descrentes no mundo, mas temos de lembrar que existem coisas boas que precisam ser protegidas e é nosso dever fazer isso.
Eu sorri pra ele e ele sorriu de volta. Nossa conversa chegou exatamente no ponto em que eu estava pensando mais cedo ao ver Henry. A vontade de protegê-lo, de tornar o mundo melhor para ele, de preservar sua inocência. Isso podia me fazer enfrentar qualquer coisa.
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Um amor inesperado (Criminal Minds)
FanfictionMaggie tem uma vida boa. É jovem, formada em medicina e possui um cobiçado emprego no Federal Bureau of Investigation (FBI), onde atua como legista. Seu sonho é trabalhar com a Behavioral Analysis Unit (BAU) e ajudar o time a traçar perfis de serial...