Capítulo 30

1.2K 180 44
                                    

Quando o turno de trabalho acabava, antes de dormir, eu ia para a parte de trás da estalagem admirar o crepúsculo salpicado de estrelas

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Quando o turno de trabalho acabava, antes de dormir, eu ia para a parte de trás da estalagem admirar o crepúsculo salpicado de estrelas. Eu gostava de observar o brilho pálido das inúmeras estrelas envoltas na escuridão. Eu costumava pensar que cada estrela era um universo. E esse pensamento fazia os meus problemas parecerem insignificantes conforme eu contemplava uma imensidão de universos, me distraindo de pensar o tempo todo em Mikhail e Lenore e por mais que eu odiasse admitir... em Aleksander.

Eu sentia falta de Mika e Lenore.

Sentia saudades dos meus pais.

Eu me sentia sozinha.

E principalmente, eu não conseguia parar de pensar em Aleksander.

Era como se eu tivesse sido amaldiçoada a pensar nele. Eu odiava tanto Aleksander... tanto... que só de pensar nele o meu coração doía a ponto de me sufocar e eu não conseguir respirar. E por mais que desesperadamente eu tentasse não pensar nele, o príncipe da Wallachia estava sempre em meus pensamentos, me sufocando e amaldiçoando. Ele espreitava meus pensamentos como uma doença persistente, uma doença que eu não sabia qual era a cura.

A vingança vai curar você, dizia uma voz interna.

E eu esperava que a voz tivesse razão. Pois o príncipe da Wallachia era a minha maldição e doença e também, eu esperava que fosse, a minha cura.

Sentei em um banco de madeira e inclinei a cabeça levemente para trás. O cabelo loiro cascateando sobre meus ombros em ondas. Ergui a mão para afastar uma mecha de cabelo do meu rosto e lembrei que Mikhail não conseguia evitar enrolar os dedos no meu cabelo. Eu me perguntava se ele estava bem. Se Lenore estava bem. Se a missão estava correndo conforme o planejado e quando eles voltariam. Enquanto eu contemplava o céu pensando se Lenore e Mika também contemplavam o mesmo céu estrelado, de supetão, senti um puxão no cabelo. Quase caí para trás quando puxei adaga da coxa e sem hesitar cortei meu longo cabelo loiro.

— Meretriz — xingou uma voz masculina estranhamente familiar. — Terei que vendê-la por um preço muito abaixo por causa do cabelo curto.

As tochas da estalagem tremeluziam quando eu me virei para encarar o homem que me xingava. Piscaram quando suas mãos passaram em volta do meu pescoço. Eu o reconheci. Era um cliente da taverna que sempre fazia propostas indecentes para mim. Mas dessa vez ele não estava sozinho. Ele estava flanqueado por mais dois homens encapuzados. Quando ergui o braço para enterrar a adaga em seu pescoço, um dos encapuzados disparou uma flecha que atravessou a minha mão. Urrei quando a flecha rasgou a minha carne e a adaga caiu no chão.

Em um ímpeto de fúria, as mãos do homem se fecharam com força em volta da minha garganta. Eu não conseguia respirar enquanto eu tentava me desvencilhar do seu aperto. Senti minha consciência vacilar. Deixei a cabeça o mais firme possível, flexionei levemente as pernas e tentei inclinar o corpo para frente enquanto torcia o braço do homem. Ele berrou de dor. Quando estava quase me soltando, um líquido quente espirrou em meu rosto. O cheiro inconfundível de sangue lançado no ar. As mãos afrouxaram e o homem desabou no chão.

Em meio as pedrinhas peguei a adaga e apontei para os dois homens encapuzados. Eles soltaram uma risada de escárnio. Ouvi botas ecoando no chão de cascalho atrás de mim. Os encapuzados se calaram. Eu segui o olhar deles. Vi o mercenário que me treinou surgir das sombras.

Os encapuzados tentaram fugir. Mas eles não foram muito longe. Eles soltaram um grito esganiçado quando a espada do mercenário perfurou a carne deles. Em um movimento rápido e certeiro a lâmina cortou a coluna vertebral e a garganta separando a cabeça do corpo que atingiu o chão com um estampido que ecoou em meus ossos.

— Venho observando essa escória há um tempo — disse o mercenário enquanto limpava a espada na roupa do homem que um dia fez propostas indecentes para mim. — O desgraçado sequestra mulheres, homens e até crianças e vende para Lordes influentes nas cortes europeias.

Eu estava imobilizada pelo choque de ver, novamente, cabeças voando na direção oposta dos corpos. Meu estômago se revirou conforme apertei com força a empunhadura da adaga.

— Agora vejo sua intenção. — Engoli em seco o nó que se formou na minha garganta. — Você não queria apenas treinar. Você queria me usar de isca. 

Cerrei os punhos com tanta força que senti minhas unhas cravando na pele.

Ele deu um sorrisinho de escárnio.

— O seu treinamento acabou. Seus companheiros chegam amanhã. Mas não recomendo você pernoitar aqui. Mais pessoas podem vir procurar esse desgraçado. — Ele cutucou com o pé o homem morto no chão.

Das sombras surgiram cinco homens vestindo uma capa escura como breu. Eles arrastaram para a escuridão os três corpos estendidos no chão.

— Se cuide — disse o mercenário caminhando em direção as sombras.

— Espere! Posso pelo menos saber seu nome? Acho que pelo menos isso eu mereço... depois de você ter me usado.

— Meu nome é Dietrich Raiser. Prometo que iremos nos ver de novo, princesa Elizabeth.

Senti meu coração errar uma batida com a promessa dele. 

— Dietrich Raiser, eu prometo que um dia você vai pagar caro por te me usado. 

Ele fez uma reverência e então as sombras o engoliram.

Como ele sabia quem eu era? Fui tão cuidadosa. Removi a flecha da mão com um grunhido rouco e voltei correndo para o quarto. Arrumei o pouco que tinha. Precisava sair logo dali. Era perigoso continuar naquele local quando a minha identidade já tinha sido exposta.

Quando me dirigia para a porta do quarto, passei na frente de um espelho e vi meu cabelo arruinado. Desembainhei adaga da minha coxa e cortei o cabelo na altura da orelha. Engoli as lágrimas quando vi as mechas do meu cabelo se acumularem no chão.

A partir daquele momento eu não seria mais a princesa Elizabeth ou Ellie, a mulher de um humilde mercador. A partir daquele momento eu seria Elliot, um mercenário que lutava por ouro. Um mercenário sem honra ou lealdade. Era essa a identidade que eu iria assumir. O papel que eu interpretaria.

Engrossei a voz, imitei a postura furtiva e impositiva de Aleksander, passei a bolsa de couro com meus pertences no ombro e fui embora da estalagem sem olhar para trás uma única vez.

Trono de Sangue e RuínasOnde histórias criam vida. Descubra agora