Capítulo 25

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Sento-me inquieta na sala de espera, as pernas balançando nervosamente, enquanto espero minha vez de falar com o advogado. O tique-taque do relógio na parede parece ecoar dentro da minha cabeça, marcando os segundos intermináveis até que finalmente seja chamada. Minhas mãos estão frias e suadas, e mal consigo manter o olhar no celular, que segura minha atenção com uma lista interminável de notícias irrelevantes.
Finalmente, o advogado chama meu nome e me levanto com uma mistura de alívio e apreensão. Respiro fundo, tentando reunir toda a coragem que posso, e passo pela porta. A sala é iluminada apenas pela luz suave que entra pela janela, dando à atmosfera um ar solene e sério. O advogado me cumprimenta com um sorriso gentil, mas seus olhos transmitem uma seriedade que me faz engolir em seco. É hora de encarar a realidade, de enfrentar seja lá o que ele tenha para me falar.
— Seja bem vinda, Isabela, fique à vontade. Aceita uma água ou um café?
— Não, obrigada. — Digo, sentando-me em frente a ele.
— Agora que você apareceu, podemos cuidar da papelada, finalmente!
— Que papelada? Do que o senhor está falando?
— Do seu inventário, ora. Do que mais seria?
— Inventário?
— Sim! A herança que seu pai deixou a você. — Ele ri, enquanto eu o encaro em choque. — Seu noivo me trouxe sua certidão de óbito pedindo para eu iniciar um processo para que ele possa obter a herança em seu lugar, mas como descobri que tudo não passou de um engano, então...
— Um engano. — Repito, meu tom de voz soa indignada com o que escutei. O doutor franze a testa, claramente surpreso pela minha falta de conhecimento sobre a situação.
— Você não estava sabendo de nada disso?
Confirmo negando a cabeça.
— De nada.
Ele recobra a compostura rapidamente e se desculpa pelo mal-entendido, explicando que houve uma confusão na documentação. Mas sei que ele está tentando suavizar a situação, Lucas estava tentando armar contra mim, tenho certeza. Sinto raiva se acumular dentro de mim enquanto absorvo a gravidade da situação.
— Por que Lucas escondeu isso de mim?
— Só ele pode responder a essas perguntas. Mas o importante agora é que você tome as rédeas da sua herança. Não precisa mais se preocupar, estou aqui para ajudá-la. Vamos começar o processo o quanto antes para que tudo esteja resolvido antes de seu casamento.
Fico em silêncio tentando assimilar tudo, enquanto o escuto digitar algo no computador. É muito informação. O Lucas querendo aplicar algum tipo de golpe em mim? Ele queria ficar com minha herança o tempo todo e ocultou qualquer tipo de informação!
— E o senhor acha que ainda vai ter casamento?
O advogado levanta os olhos do computador, sua expressão séria e compassiva. Ele parece entender a complexidade da situação e sabe que não há respostas fáceis.
— Essa é uma decisão que só você pode tomar, Isabela. O importante agora é focar em resolver essa questão da herança e depois você poderá decidir sobre o seu futuro com o Lucas.
— Esse é o sinal que precisava, doutor! Na falta argumento para desmanchar esse noivado, acabo de encontrar um perfeito!
Ele levanta brevemente o olhar para mim, e o silêncio preenche a sala enquanto o advogado continua digitando, absorvendo minhas palavras com uma serenidade profissional. Talvez ele não compreenda completamente a profundidade do que estou prestes a fazer, mas para mim, é uma decisão libertadora.
Respiro fundo, cheia de ansiedade, pronta para enfrentar as consequências de colocar um ponto final em um relacionamento baseado em mentiras e traições.
Entretanto, meus planos de colocá-lo contra a parede se desfizeram enquanto estava perdida nos braços do sono, e agora, estava tão cansada, que acabei adormecendo enquanto esperava ele chegar. Agora, só me resta conversar com ele hoje à noite, estou atrasada!
Já é a segunda vez que me atraso, preciso parar se quiser manter meu emprego. Tomo um banho de 5 minutos e corro para o trabalho, enfrentando o trânsito caótico dessa cidade.
Bato meu ponto e visto meu guarda pó e me preparo para minhas atividades. Porém, aquele assunto do dia anterior não sai da minha mente. Hoje eu não posso dormir, preciso conversar com Lucas, sem falta!
Corro pelo corredor do hospital com a adrenalina a mil. Consigo agora lembrar de algo. Antes do acidente, eu e Lucas já não nos dávamos tão bem, brigávamos muito. Com a sogra e cunhada então? Lembro de uma vez ter saído no tapa com Sabrina. Eu queria me separar, mas ele não, por causa de um motivo que ainda desconheço. Eu preciso me lembrar mais, isso é tão desesperador!
Meus pensamentos são interrompidos por uma morena de lindos cabelos ondulados: Renata, minha amiga, que me cumprimenta no corredor do hospital. Já sei, é ela quem poderá me ajudar a me lembrar de várias coisas. Ela demonstra ser minha amiga de longa data, deve saber muitas coisas sobre minha vida pessoal e meu noivado. Coitada, desde quando voltei, nunca me aproximei dela como deveria, por isso, vou chamá-la para almoçar juntas hoje.
Chego em meu escritório e ligo o computador para checar a agenda do dia, mas a ansiedade em relação à conversa com Lucas continua presente e crescente. Na verdade, ter dormido foi até bom, preciso planejar minhas palavras com cuidado.
★★★
Mais tarde, chego no refeitório exclusivo para funcionários do hospital, nos servimos e depois nos sentamos. Ela parece feliz pelo convite, é a primeira vez que faço isso desde que voltei a trabalhar aqui.
— Renata, nós somos amigas a quanto tempo? — pergunto sem delongas, já abocanhando uma garfada.
Ela franze o cenho antes de me responder, parece decepcionada pela pergunta.
— A gente estudou juntas. Você não se lembra?
— Não. — Reparo no olhar triste dela — Ah, não me olhe assim, é culpa da amnésia! — respondo, genuinamente, ela assente e desvia o olhar, demonstrando não acreditar muito.
— Bom, eu estive pensando e queria saber mais sobre minha vida antes do acidente. Especialmente sobre meu noivado com Lucas. Você sabe sobre a gente? Eu te contava segredos?
— Isa, nós somos melhores amigas! — Ela ainda parece decepcionada por não me lembrar dela.
— Eu sei. Me desculpa! Não me lembrar das pessoas também me aborrece muito! — Tento confortá-la, minha voz soa triste.
— Tudo bem. E o que quer saber?
— Eu me lembrei que eu e Lucas vivíamos brigando. Queria saber o motivo. Tem algo específico ou era coisa de casal mesmo?
Ela reflete por um momento.
— Eu não sei muita coisa, — responde, brincando com a comida. — mas acho que o motivo das brigas eram ciúmes. Vocês dois brigavam muito com seu pai também, seu pai não gostava do Lucas.
— Ah é? E porque ele não gostava?
— Não sei exatamente, mas lembro-me de algumas conversas que tivemos na época em que vocês começaram a namorar.
Tento remexer em minhas lembranças para tentar entender melhor a situação.
— O que por exemplo?
Renata parece refletir por um momento antes de responder:
— Sei que seu pai sempre foi muito protetor e preocupado com você. Talvez ele tenha visto algo em Lucas que o deixou desconfiado ou preocupado.
— Será que meu pai viu algo em Lucas que eu mesma não consegui enxergar na época? — pergunto, mais para mim mesma do que para Renata, ela fica em silêncio.
Essa revelação mexe comigo, trazendo à tona mais questionamentos sobre meu relacionamento com Lucas e sobre meu passado. Parece que, quanto mais eu descubro, mais perguntas surgem.
— Mas por que você esta me perguntando isso, Isabela?
— Descobri algo terrível de Lucas. Vou te contar tudo, está pronta?
Conto para Renata toda a conversa que tive com o advogado ontem, ela fica tão pasme que quase se engasga com o suco de laranja e eu continuo minha comida, que até essa altura já está gelada.
— Isabela, você sempre ficava ao lado dele, não importa o que acontecesse, dava até raiva! — Renata parece chocada, seus olhos arregalados denotam surpresa e incredulidade.
Neste momento, uma lembrança de anos atrás começa a surgir em minha mente, e nela eu me lembro de uma discussão envolvendo eu, meu pai e Lucas. Meu pai o acusa de ter furtado dinheiro de dentro da carteira dele, e eu, inocente, defendi meu noivo com unhas e dentes, alegando que ele não tem motivo algum para fazer isso, já que é um modelo muito bem sucedido.
Essa lembrança já é suficiente para confirmar seu mal caráter e me deixar ainda mais determinada a terminar tudo.
— Posso confessar uma coisa? — Renata pergunta, sua expressão cheia de desgosto. — Eu nunca fui com a cara desse Lucas!
— Mas eu ainda vou fazê-lo confessar tudo e jogar essa droga de aliança na cara dele!
— Ele vai negar tudo, claro! E você vai acabar como otária mais uma vez. Ai, você é muito boazinha, Isabela... Se fosse eu, já teria dado um pé na bunda dele faz tempo! — Renata sacode a cabeça em descrença, suas palavras carregadas de indignação.
— Então, o que eu faço? Meu casamento já está marcado. Espero ele chegar em casa e armo o barraco? — Minha voz vacila, mostrando minha vulnerabilidade diante da situação.
Renata parece refletir por um momento, seus olhos fixos em mim demonstram preocupação.
— Já sei amiga! Tenho um plano, mas primeiro me diga se está disposta e se tem coragem.
— Claro, quero ser solteira novamente já faz algum tempo, só não sabia como. - Minha resposta é firme, cheia de determinação.
★★★
Os dias se passaram e eu fingi estar tudo bem até chegar o dia do casamento.
Vestida de noiva, sinto como se estivesse casando com um estranho, Lucas é um vigarista, um trapaceiro, corrupto, e eu nem sabia... Ainda assim, aqui estou, dentro de um carro, sozinha e esperando o sinal para subir ao altar. Espero que esse dia passe logo e eu possa respirar de novo.
Entro na igreja e todos se levantam neste momento. O noivo está no altar extremamente elegante, usa um terno preto e uma flor vermelha no bolso do paletó, combinando com o buquê.
Atravesso todo o corredor dos bancos com tapete vermelho e flores por todos os lados, enquanto o véu, que vem do meu coque, se arrasta. Todos os convidados olham atentamente para mim. Ninguém imagina o que tenho em mente.
Chego no altar, Lucas me cumprimenta e logo o padre começa a falar sobre o amor e o compromisso que as pessoas tomam quando se casam. No entanto, eu não planejo ter isso com ele.
E então, quando o padre pergunta a Lucas se aceita se casar comigo, ele imediatamente responde sim e me lança um sorrisinho. Em seguida, o padre faz a mesma pergunta a mim, eu fico quieta. Meu noivo me olha tenso.
— Vamos, Isabela. Responda! — Cochicha sem abrir a boca direito.
Com o coração disparado de indignação e a raiva me consumindo por dentro, fecho a cara para ele, notando sua surpresa. Antes de eu pudesse dizer algo, escutamos uma voz feminina de dentro da igreja, nos bancos do fundo, e olhamos ao mesmo tempo em direção.
— Eles não podem se casar! Ele já é casado comigo!
— Como é que é?! — Eu e todas as pessoas presentes se espantam, outras cochicham.
— Isso mesmo que vocês ouviram! Lucas é casado comigo há 5 anos! Ele queria pegar a herança dela e ir embora comigo, mas essa mulher voltou e agora quem não quer mais nada sou eu! — a bela mulher caucasiana cheia de botóx está realmente afim de fazer escândalo. Vou contribuir. 
— O Lucas é um tremendo vigarista! — agora todas a atenção volta-se para mim, eu encaro o rosto assustado dele, vendo a casa cair.  — Foi até o advogado de meu falecido pai com uma certidão falsa de óbito minha, tentando obter minha herança! — Digo, olhando para todos os presentes, apontando para Lucas.
— Não é isso, Isabela! Você entendeu tudo errado! Eu queria... Essa mulher ai... — ele se atrapalha totalmente.
— É verdade tudo isso! — A siliconada dá um salto de empolgação, fazendo seus peitos pularem.
— Que absurdo! — Ester tenta defende-lo, ficando de pé rapidamente — Meu filho não fez nada disso! Jamais ele iria abandonar a mãe e a irmã para fugir com essa vagabunda!
— Vagabunda é a senhora! — Enfurecida, a mulher se descola rapidamente de seu lugar em direção a ela.
Olho brevemente para o padre, ele está imóvel e em choque. Não perco meu tempo, preciso sair daqui imediatamente. Seguro meu vestido e corro em direção a saída com toda a velocidade que consigo.
— Isabela! — Escuto Lucas me chamar, junto com a briga entre a ex esposa dele e minha ex sogra, e ignoro tudo sem parar de correr.
A igreja fica numa praça, eu atravesso toda ela rapidamente e vejo taxistas, é disso que preciso!
— Isabela! — Ele vem atrás de mim e eu continuo correndo, enquanto as pessoas se dispersam para fora da igreja.
— Rápido motorista, me tire logo daqui! — Abro a porta e me sento. — Antes que meu noivo me alcance!
— É pra já! — O motorista acelera e eu respiro fundo, finalmente livre daquela situação.

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