Capítulo 29

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Aminata grita desesperada enquanto vê sua loja que construiu com tanto amor, esforço e empenho sendo destruída.

— Não! Não.....—Aminata cai ajoelhada do outro lado da estrada, enquanto o seu estabelecimento é consumido pelas chamas em todo canto. Sindy segura Aminata abaixando-se com ela e amparando-a.

— Ahhhhhhhhhhh—Aminata chora e grita amargamente.—O que comerão meus filhos? Como pagarei todos os impostos e as dívidas? O que vou fazer? Meu marido se foi... O que farei Senhor Deus? — Chora, mais desolada do que nunca. Aminata não consegue levantar-se e a fraqueza se instala em seu corpo.

As pessoas que ali viviam, tentaram apagar o fogo, até que os bombeiros chegaram. Aminata recebe olhares de pena. Toda a gente ali a conhecia, sabiam ser uma boa mulher, sabiam ter dois bebés e duas crianças pequenas e seu marido era um homem de Deus muito íntegro, que após perder seu marido, as coisas ficaram complicadas, que seu semblante já era mais cansado desde que Israel lutava contra o cancro de pâncreas. Sindy que a segurava e chorava também vendo a dor da amiga, era a pessoa mais próxima desde que Aminata se mudou para São Nicolau, quando ainda era muito nova, uma jovem moça.

— Não sei o que fazer...—Aminata diz com os olhos cheios de lágrimas, com a voz fraca e com o olhar mais perdido que já teve em sua vida.

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Hoje, saí cedo da residência universitária, quis aproveitar o dia para conhecer a cidade, enquanto fazia as tarefas da Universidade, comecei a sentir saudades de minha família. Da voz da minha mãe, de sua forma carinhosa de falar, do seu olhar doce e maternal... Suspiro enquanto observo um grande parque que encontrei, parques, jardins são como se fossem meu lar. Em São Nicolau, sempre que eu me entristecia é para o parque perto da minha antiga escola primária, onde eu me dirigia, onde chorei com angústia quando me pai faleceu, onde, eu gritava com Deus, sempre que a saúde de meu pai só piorava, porque eu não entendia , como um homem tão bom e devoto à Deus, sofria daquela maneira e teve uma morte daquelas, sem que Deus impedisse.

Algumas lágrimas caem de meus olhos, enquanto observo as lindas árvores e flores espalhadas pelo parque, saio do parque e continuo a andar, chego no centro da cidade cheia de pessoas alegres, famílias passeando, ninguém me olha com desconfiança, ou desprezo. Fazia tantos anos que eu não me lembrava como era andar tranquilamente, como uma pessoa normal, igual aos outros. Entro numa rua onde haviam várias lojas e barracas de comida, peças de artesanato, artes, acessórios, roupas e observo as pessoas que compravam e se encantavam com a mercadoria.

Continuo a andar e noto como a cidade é colorida e vibrante, em qualquer ponto da cidade tem pessoas a cantarem ao vivo, vejo um menino, parecia ter a idade de Zénny estava a tocar um ukulele, sua voz tem uma tonalidade cativante, cantava uma música tão acolhedora que acho que isso cativou as pessoas, inclusive a mim, sorrio para ele e deixo algumas moedas para ele que sorri para mim.

— Muito obrigado moço!—Sorri para mim alegremente e eu aceno com a cabeça.

Continuo minha caminhada pelo centro da cidade e vejo o mercado municipal, repleto de barracas onde vendiam legumes, frutas e peixes, essa cidade é realmente bela. A arquitectura colorida e histórica de Cantilhena se reflecte nos edifícios históricos e nas ruas em formatos de paralelepípedo.

Ando mais um pouco e avisto gritos ao longe. Frente a um restaurante, vejo duas crianças, com as roupas sujas, sapatos desgastados e tinham sujeira por todo o corpo.

— SAIAM DAQUI! Eu já adverti-vos! Eu não quero que vocês cheguem perto do meu restaurante! Crianças insolentes, eu vou mandar vos prenderem! Para ver se aprendem!—Diz um senhor furioso na porta do restaurante e as crianças parecem assustadas.

— Senhor! Por favor, nos desculpe, nós não queríamos aborrecê-lo! Nós juramos que só tocamos no contentor de lixo... Não pensamos que o Senhor se importaria...—Diz a menina a chorar e eu só tenho vontade de abraçá-la e protegê-la num instinto fraternal.

— E eu já disse que não vos quero perto daqui! Nem para tentar procurar comida no MEU contentor de lixo! Existem diversos contentores de lixo pela cidade, seus pirralhos! Além disso, vocês são catadores de alimentos, sempre a bisbilhotar qualquer lixeira espalhada pela cidade, porquê aqui?!—O Senhor falava com um desprezo que me irritou profundamente.—Que imundice, vocês têm um cheiro horrível, e se vocês pensam que só por retirarem os restos de comida que saem da cozinha do meu restaurante se sairão livres, estão muito enganados, sabem a quantidade de dinheiro que gasto para comprar estes alimentos? Vocês pensam ser de graça? Já que não querem que eu vos mande prender, terão de pagar.—Diz ele com um sorriso perverso e eu não consigo acreditar naquilo.

Infelizmente, muitas pessoas que vivem nas ruas ou em situação de extrema pobreza recorrem à busca de comida no lixo como uma forma de sobrevivência. Isso acontece porque essas pessoas não têm recursos financeiros suficientes para comprar alimentos, e, além disso, são só crianças, como alguém podia tratar assim a um ser humano...

— Mas senhor, por favor nos perdoe, nós nunca mais iremos catar comida no seu contentor de lixo, nós não temos dinheiro para pagar... podemos trabalhar para o senhor, podemos fazer limpeza, lavar os pratos, o que for! Por favor, senhor...—Agora quem fala é o menino de corpo magro que sempre que se mexe parece que vai ser levado pelo vento de tão mal nutrido que ele está.

— Claro que não! Vocês nunca colocarão os pés no meu restaurante.—Diz ele furioso.—Já que não conseguem pagar, vou mandar vos prender!

— Boa tarde Senhor.—Intervenho olhando para o senhor à minha frente que olha para mim em surpresa e em seguida olha para as crianças de forma ameaçadora, as mesmas baixam a cabeça e ele volta o olhar para mim.

— Boa tarde Jovem rapaz, está a procura de um lugar para comer? Olhe, o meu restaurante tem a comida mais saborosa desta localidade, feita com ingredientes locais e frescos.—Diz sorrindo como se nada tivesse acontecido.

— Hummm, eu estou mesmo a procura de um lugar para almoçar.—Digo sorrindo.

— Ah sim, claro!—Responde-me apressadamente, sorridente e olha para as crianças.—Se vocês decidirem fugir, será pior!—Ele diz e as crianças assustam-se, ele chama o guarda do restaurante para os supervisionar.—Senhor temos mesa aqui fora mas também temos lá dentro, se quiser aproveitar o ar condicionado.—Ele diz.

Não é impressionante o facto de ele continuar a maltratar as crianças mesmo na presença de um cliente, as pessoas geralmente não ligam para isso ou ignoram essa atitude cruel, é triste saber que esse preconceito em função da classe social de determinada pessoa não é recriminado e muito menos condenado, num reino que diz prezar pelo bem-estar e respeito de cada cidadão.

— Quero que arranje uma mesa para três pessoas.—Digo com um sorriso tranquilo.—No interior do restaurante será melhor.

— Como deseja rapaz, entre por favor...—Diz ele indo abrir a porta para que eu possa entrar.

— Antes quero chamar os meus acompanhantes.—Digo.

— Ah sim, claro!—Ele sorri para mim, esperando eu ir buscar os tais acompanhantes.

Vou em direcção às crianças. A menina olha para mim com curiosidade e o menino mantém o olhar para baixo, abaixo-me na altura deles.

— Olá.—Digo suavemente com um leve sorriso.

— Boa tarde Senhor. — Dizem em uníssono e eu sorrio por terem me chamado de "senhor".—Deseja algo?—Pergunta o menino olhando para mim com receio.

— Sim.—Sorrio e eles se entreolham e depois olham para mim em surpresa.—O que acham de almoçarem comigo naquele restaurante? Têm fome?—Pergunto apontando para o restaurante com um sorriso e pela primeira vez vejo sorrisos em seus rostos agora surpreendidos e esperançosos.

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