Sindy era uma mulher muito acolhedora e presente, era uma das poucas amigas de minha mãe. Sempre que ia nos visitar em casa, cantava músicas da igreja para nós, ou músicas infantis e nos ensinava a letra para que cantássemos junto à ela. Zénny não a largava, gostava de permanecer em seu colo todo o tempo. Sindy me ensinou a nadar e a andar de bicicleta, ela cuidava de mim e Zénny, quando meus pais trabalhavam.Sindy ia me buscar na escola e minha irmã na creche e nos levava para sua casa, onde passávamos a tarde toda até meus pais irem nos buscar. Na sua casa tinha uma piscina, não muito funda onde me ensinou a nadar, me ajudava a colocar o colete salva-vidas e ficava sempre muito cuidadosa e atenta me ajudando, me ensinava a ficar confortável na água e a me acostumar com a sensação de estar dentro da água, me ensinou a movimentar os braços para frente e para trás para me ajudar a nadar e me ensinou a chutar as pernas segurando minha cintura enquanto eu me movia pela água.
Era uma mulher cheia de vida. Cheia de luz. Tinha olhos que brilhavam, tinha uma voz audível e carismática, me tratava de um jeito maternal, como minha mãe, algumas vezes me chamava de filho, por carinho.
"Como foi a escola hoje filho?"
"Tu pareces tão triste hoje filho...."
Tia Sindy, era minha amiga também, além de madrinha, além de tia, adotava uma postura amigável com todos, ajudava sempre que podia, era calorosa e acolhedora, criava um ambiente confortável para todos, arrancava sorrisos de minha mãe e de meu pai. Tinha ideias incríveis, era agradável e carinhosa. Amava muito. Eu sempre admirei-a, não era orgulhosa e nem rancorosa, perdoava com facilidade, falava de Jesus Cristo com amor e devoção, dizia que sua vida não era sua, mas sim de Deus.
Depois da morte de meu pai, aguentar a dor da morte dela, foi difícil, foi quase impossível.
Eu não entendia. Meu vínculo com Deus quebrou-se. Sempre foi mais fácil colocar a culpa em alguém.
Meu pai e Tia Sindy, amavam à Deus e viviam para Deus. E quando eles se foram...O sentimento de que Deus é ausente, envenenou meu coração.
Rafael, como Miguel, acredita em Deus. É cristão. No pouco tempo que o conheço, pude ver que seu vínculo com Deus é forte, dizia participar das atividades da igreja, pregava a palavra na sua antiga escola, para seus colegas aceitarem Jesus em suas vidas, ficou completamente encantado e feliz por saber que eu dava aulas na escola dominical, não apresentava nenhum sinal aparente de tristeza ou de pessimismo, nenhuma visão negativa sobre a vida, nenhuma amargura, nenhuma cicatriz, Rafael era sereno, calmo, alegre e adorável.
—Rafael?—Chamo seu nome, enquanto dou pequenos toques na sua porta. Silêncio, nada ouço.—Rafael???—Chamo mais uma vez, enquanto bato na sua porta com mais firmeza, eu estou preocupado com ele, desde que ele se abriu comigo, eu tenho me mantido perto dele, mas ele se afasta com muita frequência e não quer que eu diga nada aos outros, eu tento convencê-lo a buscar ajuda profissional ou mesmo a ir falar com a orientadora, até me ofereci para ir com ele, mas ele recusou. Às vezes o encontro mal humorado, outras vezes só triste e desanimado, seus olhos transparecem um vazio, um vazio que me parece similar ao que eu via há uns anos atrás, nos olhos de Sindy.
Suspiro. Espero que ele esteja só a dormir, como muitas vezes ficava. Passava o dia inteiro deitado na cama. Mas às vezes, chorava e parecia estar dentro de sua própria mente, enquanto se recordava de alguma coisa, horrível. Não sei exatamente o que levou Rafael a estar nesse estado. Mas seus amigos já estão a perceber as mudanças. Na verdade eles perceberam primeiro que eu, pois eu só pude enxergar Rafael quando ele mesmo falou comigo. Kiara disse que Rafael tinha tendência em estar mais quieto, às vezes, mas que agora estava quieto e ausente demais. Eles até tentaram o fazer se abrir mas não adiantou, pelo que percebi ele não falava tanto de sua vida pessoal, até mesmo de seu relacionamento com seus pais, já que ele é filho único. Descobri que seus amigos tinham ido pouquíssimas vezes em sua casa, e quando o assunto era sobre sua família, eles disseram que Rafael preferia não falar muito e eles não insistiam para não o perturbar.
Miguel, Marcos, Ester e Kiara, tentaram conversar com ele diversas vezes, quando ele faltou nas aulas ou quando não atendia o telemóvel e nem respondia as mensagens, quando raramente aparecia na cantina da Universidade para almoçar connosco, mas não conseguiram. Era como se ele estivesse a ficar cada vez mais inacessível. Até com eles. Agora eu era o único à quem ele oferecia alguma abertura, ou à Benjamin que é seu colega de quarto e de turma. O que é estranho, pois nossa amizade começou há menos tempo, mas desconfio que ele se sinta mais à vontade confiando em mim por esse mesmo motivo. Era estranho para seus amigos de longa data vê-lo assim, tem alguma coisa que ele não os confidenciou, que é difícil para ele falar, ele parece ter medo, talvez receio do que eles possam pensar, mas ele não teria receio comigo, para ele parece mais fácil falar para mim.
Eles não conheciam esse lado de Rafael, por algum motivo ele preferiu mostrar-lo somente à mim e à Benjamin, que o conhecemos há menos tempo. Às vezes chego a pensar que ele falou comigo sem pensar, mas como já o fez, não tinha como desfazer, alguma coisa o levou à isso, porque o dia em que ele entrou no meu quarto, completamente abalado, foi o último dia em que o vi com alguma estabilidade. Desde aí, ele não fala mais do que três frases. curtas.
Sento-me numa das cadeiras do corredor dos quartos. Só me resta aguardar.
—Akin?—Benjamin me chama e vem até mim me cumprimentando.—Quer ver Rafael? —Pergunta enquanto se dirige para abrir a porta do quarto, eles eram colegas de quarto, Benjamin não sabia exatamente mas notava que Rafael agia de maneira aérea, e até se preocupa, mas acho que fica aliviado com o facto de eu estar sempre por perto, recentemente.
—Sim, eu bati a porta mas ele não abriu....Não sei se ainda dorme....—Digo com um sorriso leve para Benjamin, em seguida coloco minhas mãos no bolso.
—Entendo....—Ele diz colocando a chave na fechadura mas para durante um tempo e em seguida olha para mim.—Que bom que está aqui, eu acho que o Rafael precisa de ajuda.—Ele diz com sinceridade e mostra-me um sorriso fraco abrindo a porta.
Me sento do outro lado do quarto, de frente para a cama de Rafael, onde o mesmo dormia tranquilamente, pouso minha mochila no tapete e pouso o saco de comida sobre a mesa de cabeceira, se ele dormiu até essas horas, não comeu nada, era comum ele se alimentar mal, ou nem comer nada sequer. Benjamin preferiu dar-me uma chave extra do quarto deles, depois de ter notado as cicatrizes no braço de Rafael. O pior é que as cicatrizes do braço esquerdo pareciam ter sido feitas há um bom tempo, com o clima de Cantilhena é compreensível que ninguém tenha notado seus cortes, ele usava casacos ou camisolas de mangas cumpridas, mas em Maré de Braz o clima é mais quente, não sei como os outros não notaram....Ou talvez ele fazia de tudo para escondê-las.
—Akin?—Rafael chama minha atenção enquanto se espreguiça na cama, despertando.—Que horas são?—Pergunta se deitando novamente.
—Já são 19h. Dormiste o dia todo.—Digo calmamente.— Deverias tomar um banho e comer, hoje vamos sair.—Digo firmemente enquanto ele me olha de maneira confusa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre Laços
SpiritualeAkin nunca imaginou que sua vida tomaria o rumo que tomou, entre laços de amizade, laços familiares e laços de amor, o jovem rapaz encontra o refúgio e a força que pensou que não existisse, em Deus. Sem pensar no que Deus reservou para ele, Akin ac...