Capítulo 36

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Ligo para minha mãe, já deitado na cama, na minha mão seguro uma foto comigo no colo dela, em São Nicolau, como eu sinto saudades daquele tempo.

— Mãe... —Digo suavemente, assim que ela atende a chamada.

— Akin, tenho tantas saudades tuas meu filho! Me conta como te sentes? — Pergunta de forma carinhosa.

— Me sinto bem, eu acho. Me sinto um pouco melancólico, também tenho muitas saudades suas, e de Davi, Pedro e Zénny... É tão difícil estar longe de vocês, sem poder vos ver todos os dias... —Digo com o tom de voz calmo, mas triste.

— Eu sei meu filho... —Ela suspira. — Saiba que te amo muito, e sabes que poderás nos visitar nas férias, ou nós podemos ir para Cantilhena também. Davi e Pedro sentem falta de brincar contigo, Pedro chorou há dias e me perguntou por que motivo não podemos ver-te... Zénny parece um pouco fechada, mas fez amizades novas na escola. — Senti-me preocupado e entristecido quando ouço minha mãe falar de Pedro e que Zénny parecia mais fechada. — Me fala da tua rotina, o que achas da cidade e da Universidade? — Pergunta minha mãe.

— Cantilhena é muito diferente de Maré de Braz e de São Nicolau. A cidade é colorida, animada, tem restaurantes em todo o lado, literalmente. — Dou uma leve risada. — Também tem parques de diversões, no centro da cidade tem feiras onde há uma diversidade de mercadorias. — Respondo. — A universidade é muito grande, a escola de medicina tem quatro andares, as salas são bem equipadas, bem climatizadas, e tem várias cantinas nas diferentes faculdades, o 'campus' universitário tem um jardim no qual gosto de estar, me dá paz. — Respondo com um sorriso leve.

— Parece ser divertido estar lá! — Minha mãe exclama entusiasmada e eu sorrio, tive saudades de ouvir a voz dela. — E me diz, fizeste novas amizades? — Ela pergunta.

— Sim, mãe. Conheci a Weza, minha colega de turma, ela veio ter comigo logo no primeiro dia de aulas, tem uma personalidade muito divertida e encantadora, e ama cozinhar e contar histórias de sua família, eu acredito que a senhora iria se dar muito bem com ela. — Digo sorrindo. — E, além de Weza, continuei com os laços de amizade que eu criei com os amigos de Miguel, que agora são meus amigos também, me aproximei mais de Rafael e de Ester que é minha colega de turma. — Respondo.

—Weza... Que nome tão lindo! Sabes, na minha infância, conheci um rapaz chamado kwame. Ele sabia falar a língua de nossa cidade, ele me ensinou um pouco... — Minha mãe conta parecendo se lembrar de algo pelo seu tom de voz.— Me recordo que Weza, significa aquela que veio, aquela que voltou.  Eu espero conhecê-la algum dia, falaste tão bem dela, agora fiquei curiosa. — Diz minha mãe rindo de forma carinhosa.

— De facto, quando ela se apresentou, achei o nome dela incomum, mas bonito. Combina com ela, não imagino ela com outro nome que não seja esse.—Fico um tempo em silêncio e volto a falar.— Mãe... A senhora nunca falou muito de sua cidade, na verdade, é uma das poucas vezes que a senhora fala algo relacionado com sua infância... — Digo reflectindo.

Eu já questionei diversas vezes a minha mãe, sobre meus avós maternos. Ela sempre desviava o assunto, ou dizia que eles moravam longe demais, mas ela evitava tocar no assunto. Então, eu tentei perguntar ao meu pai, e ele me explicou que lembrar de meus avós a entristecia, então parei de perguntar sobre eles, ou sobre sua infância e apenas ouvia os poucos relatos que ela nos contava sobre sua adolescência, ou sua juventude com meu pai.

— Eu sei, meu filho... Já estás crescido, e já ocultei durante bastante tempo, o porquê de teus irmãos e tu não terem conhecido os meus pais...—Diz minha mãe e sinto que o seu astral mudou, agora falava mansamente, como se fosse chorar.

— Mãe, a senhora sabe que pode me falar o que quiser, mas só quando quiser. Não se sinta obrigada a me falar sobre algo que possa deixá-la incomodada, tudo bem Mãe? — Digo preocupado, por sentir o seu silêncio do outro lado da linha.

—Quando eu era criança, minha mãe me levava de carro para conhecer toda a cidade, minhas irmãs e eu, amávamos passear por toda a cidade com ela no seu volkswagen fusca cor-de-vinho, eu dizia ser cor-de-vinho porque para mim se assemelhava mais à cor do vinho que meu pai tomava todas as noites mais do que com a cor das flores violetas.  Minha mãe tinha cabelo crespo igual ao meu, e fazia sempre tranças grossas que estavam na moda naquele tempo, tinha um estilo elegante e embora estivesse casada e isso era sabido pelas pessoas da cidade, ainda assim ela era muito cobiçada, ela era uma artista e a melhor arquitecta do país, no tempo que governava o Rei Amílcar, pai do Rei Daniel. — Ela conta com um tom de voz nostálgico, distante.

Quando ouço-a mencionar que tem irmãs. Fico muito surpreso, isso poderia significar que eu tenho primos, primas e tias.

— E qual é o nome de minha avó? —Pergunto.

Acácia.  Significa inocente, aquela que não tem malícia. — Minha mãe dá uma leve risada, que alivia o meu coração. — Ela me ensinou a desenhar, a pintar e misturar as cores, eu ficava frustrada porque até fazer os esboços era difícil para mim, enquanto ela pegava no lápis e desenhava retratos das pessoas, num estilo de desenho realista, suas pinturas foram as mais vendidas na década de 80, pintava pessoas, ruas, o céu, famílias, os nossos vizinhos, os prédios da cidade, a natureza, tudo que via. Ela era atenciosa, observadora, protectora e tinha muito amor... Ela falava com confiança e convicção, gostava de impulsionar a mim e às minhas irmãs a sermos corajosas. A não termos medo de chorar, ou de rir, de mudar, de errar. — Minha mãe estava com a voz fraca. — Meu pai era professor de história e geografia, já conhecera muitos lugares diferentes e sabia muito sobre a nossa cultura e sobre a cultura de povos antigos, conheceu outros países e era poliglota. Era muito divertido, brincava connosco, nos fazia correr por toda a casa, me ensinou a arte do artesanato. Para mim, ele também era um artista. Ele sempre nos comprava pulseiras, anéis, acessórios do cabelo, e nos impulsionava muito a ter uma boa auto-estima. Às vezes se ria e dizia que o enlouquecíamos porque ele era o único homem da casa. — Minha mãe ri um pouco.

— Minha irmã mais velha, chama-se Amina, quase Aminata, a mais nova é Nia, e minha irmã gémea é Aisha. — Minha mãe diz e eu fico perplexo com tanta informação, eu realmente não consegui entender por que é que minha mãe nunca falou de sua família.

— Mãe, o que aconteceu com sua mãe? Seu pai e suas irmãs? — Pergunto, com tristeza pelo estado de minha mãe, ela fala de meus avós com tanto apreço, eu sempre pensei que ela não falava porque não tinham uma boa relação, ou porque meus avós poderiam ser pessoas difíceis, mas parece que não.

Eu não sei. Essa é a verdade, eu fugi da minha cidade. Fugi de casa.

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