23 • Morrer é para poucos

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O mundo vinha sendo cruel e devastador para a inocente Kiara Borelli, que viveu a vida toda protegida pelas fortalezas da familia Borelli, sem saber que o mundo a fora, longe desses muros impenetráveis, é perigoso. Um lugar onde poder e ganância andam de mãos dadas; e onde há pessoas inescrupulosas capazes de matar do próprio sangue para sobreviver. Dolorosamente vinha descobrindo as razões pela sua família a protege-la tanto. Mas, até que ponto a proteção pode estragar alguém? Se tivesse encarado a vida como ela realmente é, teria se sentido menos incapaz ao ser descartada como uma munição por Cartellieri? Uma munição que tem sido usada especialmente como uma arma mirada para as pessoas que mais ama.

Engoliu o orgulho e a dignidade e apanhou de Alexia calada, sem chorar ou pedir por favor. Uma frase que estranhamente, ao ser dita em voz alta, despertava o pior de Andras Cartellieri. Abusaria de toda sua inteligência para descobrir seus segredos mais sombrios, para então, usa-los contra ele mesmo. Continuaria sendo sua munição até que chegasse o dia em que seria a arma usada para mata-lo.

Ao ser colocada dentro de uma casa de contrabando em que a policia a levou, não a questionaram os motivos para estar em um lugar que obviamente não combinava com a garota. A levaram sem fazer muitas perguntas. A colocaram em uma sala pequena e sufocante sem janelas, dando a ela uma caixa de primeiros socorros para fazer os próprios curativos. A aparência abatida e os hematomas no rosto denunciavam maus tratos e não contestaram contra isso. Sem terem a mínima ideia de quem ela era, a deixaram na sala e a esqueceram por algumas horas.

Estava com fome e cansada, as pálpebras caídas como consequência de noites mal dormidas. Em algum momento, dois policiais adentraram na sala, trazendo consigo xícaras de café. Soavam despreocupados. Um deles puxou a cada a sua frente para sentar enquanto o outro permaneceu em pé no canto, bebendo do seu café.

— Sabe por que está aqui? — perguntou, sem muito entusiasmo. O silêncio fora sua resposta. Ele respirou fundo, escorando as costas na cadeira e pousando os pés sobre a mesa, desleixado. — Entende o que estamos falando? Entende espanhol ou prefere que falemos em inglês?

Naturalmente sorriu, lembrando das inúmeras vezes em que fora forçada a abrir mão do próprio idioma materno para mergulhar em vários outros idiomas desconhecidos. Duramente conseguiu dominar cada língua.

— A vida é muito irônica. Agora entendi as razões por ter que aprender a falar espanhol. — sorriu ao ver suas expressões surpresas. — Acho que a lei da ligação é igual em qualquer país, estou certa? Posso fazer uma ligação?

— Tem para quem ligar? — o policial do canto da sala, a questionou.

Fora uma ótima pergunta. Havia muitas pessoas para quem poderia ligar. Mas, algo no seu coração a fez repensar sobre suas próximas ações, sobre o que faria a seguir. Ligar para sua família poderia ajudar nos planos insanos de Cartellieri? Não queria dá-lo motivos para se vangloriar, e muito menos queria soar tão óbvia e previsível. Mas, a imprevisibilidade também poderia colocá-la numa situação mais complicada do que já estava. Por alguns minutos, entrou num dilema cruel consigo mesma, onde precisou decidir entre si e os outros. "Família é poder" dizia seu pai a toda a família.

Cadê o poder? Ali, sozinha num país estrangeiro com um idioma estranho, se perguntou se realmente Andras não estava certo, e os limites para esse tão devasto poder, tinha mesmo um limite. Ou, uma fronteira.

— Sim, eu tenho para quem ligar.

[...]

Em silêncio, observou os olhos sorrateiros de Derian Arlin, olhando em volta do pequeno quarto com beliches velhos e enferrujados. Andou pelo cômodo sendo acompanhado por Asya, que como ele, havia entrado num lugar que era desconhecido. Derian questionou a si mesmo se aquele orfanato era o mesmo que havia estado há anos atrás, mas lembrava-se claramente e podia jurar que estava enganado.

O destino de Kiara. - III Borelli.Onde histórias criam vida. Descubra agora