O destino de Kiara. - III Borelli.

44 • Deixe-a ir

Como Kiara, Derian também fora abduzido. Não deu pra disfarçar a ansiedade por reecontra-la, embora a mesma tenha agido como se não o conhecesse. Lutou arduamente contra seus instintos para não procurá-la, viajou meio mundo e se isolou de tudo, e no final, não resistiu. Vagamente recordou a última conversa que teve com a mãe, onde a mesma o presenteou com sua benção, deixando-o partir. Ambos sabiam que sua felicidade não era a família Borelli.

Dias atrás

Kênia avistou o filho acertar as facas no alvo na parede de forma fatal. Era madrugada, com exceção dos homens de Heron, todo o restante se encontrava ausente. Observou seus movimentos certeiros, a expressão dura de alguém que há muito tempo não sorria. Se reconheceu nele e foi duro perceber a grande parcela de culpa. Seu maior medo sempre foi não ser uma boa mãe, porque não havia tido uma. Por muito tempo viveu afastada, viajando pelo mundo com a desculpa de que não criava raizes quando, na verdade, Derian era sua maior e mais estável raiz. Ver o que suas escolhas causaram a ele... Kênia não suportava mais viver com esse fardo.

— Sempre me perguntei o por quê de ser tão fascinado por facas.

Lançou uma última faca, virando-se para olhá-la.

— Alguém me disse isso uma vez: "Uma arma diz muito sobre quem você é. Você pode iniciar com uma faca e finalizar com uma arma. Ambas matam, mas só uma pode causar um estrago." — selou os lábios por alguns segundos. — Talvez essa seja a minha verdadeira natureza e por isso estrago tudo que toco.

— Isso não é verdade. Você nunca estragou nada, e nunca irá estragar. — proferiu ao abraçá-lo. — Eu deveria ter entendido pelos sinais óbvios logo que começou a ir contra esse estilo de vida. Meu egoísmo maternal te prendeu aqui. Eu te perdi uma vez e não queria correr o risco de perder de novo. Não é fácil pra uma mãe abrir mão do próprio filho. Mas... a vida é sobre isso... É sobre saber que não podemos segurar ninguém. O que quero dizer agora é... Só quero que seja feliz. Você pode ir embora, e, dessa vez, não tem que voltar. Vá atrás de quem ama, descubra o que gosta, e viva a vida que sempre quis.

Kênia já sabia que haveria um dia em que teria que abrir mão do filho. Mesmo da primeira vez que o viu, sentiu que o destino o levaria de novo para longe. Fora abençoada - por anos - com a oportunidade de poder tê-lo por perto, de ser capaz de apreciar sua companhia e de se tornar sua mãe. Embora estivesse preocupada e com medo de não vê-lo mais, sentia-se agradecida por saber que o mesmo havia encontrado algo pelo que lutar. Algo que o faria feliz de uma forma que ninguém mais faria. Mesmo com o coração dolorido, o desejou sorte nessa nova etapa da sua vida.

Derian só percebeu naquele momento o por quê era tão importante que cada um seguisse seu próprio destino. As mágoas passadas, os rancores, as dores, os medos... para que fossem superadas, tinham que partir.

Foi em meio a esses pensamentos e incertezas que o nome "Martín" soou um pouco distante, os tirando de seus devaneios. Observou Asya levantar e ser guiada - por Vicenzo - ao centro. Ela caminhava com elegância e confiança, o queixo erguido, o olhar reto e sério, uma verdadeira Cartellieri. Quase não fora capaz de reconhecê-la. Todo o seu ser soava diferente da garota que conhecia.

— O próximo item a ser vendido são arquivos que contém escrituras de propriedades e terrenos espelhados pela América do Sul. Há também informações sobre cartéis mexicanos e gangues cubanas, assim como acesso a todos os segredos que sustentava a família Martín.

Em questão de segundos, inúmeros lances foram dados. O valor subia de forma abundante e surreal. Os zeros aumentavam conforme o interesse era instigado. Derian não perdeu tempo em fazer seu lance, aumentando o valor. Ao fazer isso, entrou em uma disputa com outros homens, que não disfarçaram o interesse numa herança inconfiável. A disputa cerrada não cessou nem quando os valores dos lances se tornaram cada vez mais exuberantes e irrealistas.