Sete - Andando em círculos

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Youngjae abriu um dos olhos, sentindo o corpo todo dormente. Fazia uma semana que se sentia assim, todas as manhãs acordava já querendo voltar a dormir; tendo relação ou não, também fazia uma semana que trabalhava na Report Internacional. Virou a cabeça para ver o relógio e deitou novamente, cobrindo-se até as orelhas, "ainda tenho tempo" pensou consigo mesmo.

O despertador tocou, o contrariando.

— Mas faltavam 20 minutos agora a pouco. — Reclamou com a voz rouca, batendo os punhos no colchão, frustrado. — Não estou preparado para mais um dia naquela empresa. Não estou... Não estou...

Forçou-se a levantar, arrastando os pés como um velho debilitado. Lavou o rosto inchado pelo cansaço, indo preparar seu café logo depois. Ficou em silêncio, observando o dia nascer agitado pela janela.

— E lá vamos nós. — Murmurou, desviando o vapor do café com a sua respiração pesada.

...

Daehyun pegou seu celular que insistia em tocar diversas vezes sobre a cabeceira da cama. Com os olhos ainda fechados, atendeu mau humorado:

— Que é?

— Olha o respeito, moleque. Não foi assim que te criei. — Avisou o pai ameaçador. — Já são 10:47.

— MAS ESTÁ DE MADRUGADA AINDA! — Fez birra, virando o corpo para o outro lado.

— Levanta essa bunda preguiçosa daí e vai procurar um emprego.

— De novo não. — Sussurrou cansado. Não aguentava mais ter aquelas discussões com o Senhor Jung. — O senhor sabe qu...

— Sei que você está virando um vagabundo. Não trabalha, não estuda, não faz nada. Só quer saber de viajar e cantar.

— Pai, por favor. Tente me entender. Cantar é o meu sonho, eu só preci...

— Precisa de um emprego estável, porque até agora essa história de cantar não te rendeu nada, a não ser dor de cabeça. — O tom de voz indicava que não acabaria a discussão tão cedo e que estava determinado a mudar seu filho. — Venha para o meu apartamento. Vou te mostrar umas propostas que recebi.

— Que recebeu? Recebeu de quem? — Esperou por uma resposta que não veio; afastou o celular do ouvido e ficou encarando a tela por alguns segundos. — Pai? Pai? PAI?

...

Youngjae estava sentado em sua sala, encarando a porta de madeira com atenção. Sua sala era totalmente de vidro, o fazendo parecer um bicho em exposição ou um peixe no aquário. Não havia uma parede sequer para pendurar um quadro de família ou um enfeite abstrato; Hyunjae, sua chefe, afirmara que o vidro representava a clareza da empresa, que aquilo demonstrava o cuidado e a confiança em seus funcionários.

"Mas não parece o contrário?" indagou consigo mesmo, dando voltas na cadeira giratória, para observar o resto do ambiente.

A janela enorme atrás dele, dava a impressão de que cairia no abismo da cidade caso algum dia se desequilibrasse. Não haviam cortinas ou persianas, muito menos um insulfilm mais escuro. Todos podiam espiar a vida uns dos outros, sem privacidade nenhuma. Era constrangedor trabalhar naquelas circunstâncias, mas não tinha como mudar as regras da empresa.

Youngjae batucou os pés no piso coberto por um carpete cinza e duro, esperando os papéis que sua secretária demorava a trazer.

Sua mesa era enorme, tomando metade do ambiente em todos os sentidos. Hyunjae havia dito que todas tinham aquele padrão, já que podiam fazer reuniões ali mesmo, sem precisar marcar horário em uma sala específica. De madeira maciça e escura, alguns potes para canetas e papéis organizados sobre ela, combinando com uma simples estátua de Maria e José, carregando Jesus no colo. Nenhuma gaveta ou armário. Apenas a mesa, a cadeira e Youngjae.

— Desculpe a demora, Senhor Yoo. — Disse a secretária Saehan, depositando alguns montes na frente do rapaz. Sorriu contida, fazendo uma reverência. — Deseja mais alguma coisa? Um café? Um lanche?

— Não, muito obrigado. Estou satisfeito. — Sorriu de volta, observando-a um pouco mais. Era uma moça bonita, não podia negar. Os longos cabelos escuros estavam presos em uma trança simples, deixando à mostra o rosto corado. O terno e a saia pretos deixavam as pequenas curvas mais em evidência, completos por um par de sapatos vermelhos nos pés.

Ao perceber que era analisada, Saehan colocou uma franja atrás da orelha e fez a melhor cara de inocente que pôde.

— Qualquer coisa é só chamar. — Piscou um dos olhos maquiados e saiu rebolando da sala.

— Mulheres... — Murmurou Youngjae, sentindo o rosto ferver.

...

Daehyun fechou a porta atrás de si, já temendo pela conversa que viria. Sentou no sofá de couro e olhou para seus pais.

— Bom dia, amados. — Saudou brincalhão, não arrancando mínimos sorrisos dos dois.

— Não estamos para gracinhas, Jung. — Retrucou seu pai, empurrando algumas folhas para o rapaz. — Como havia lhe dito, consegui algumas oportunidades para você. Tenho muitos amigos que...

— Pai, não! — Interrompeu, devolvendo as folhas. Sentou de um jeito mais reto e serio, com a expressão fechada. Sua mãe gemeu de frustração, já sabendo que brigariam novamente. — O senhor não consegue me entender. Eu tenho um sonho e não vou desistir dele até que o realize.

— O problema é que você já passou tempo demais correndo atrás dessa bobagem! Quando vai fazer alguma coisa de verdade? Todos os filhos dos meus colegas trabalham ou fazem faculdade, por que o meu não pode ser assim?

— Eu não vou desistir! Me dê mais uma chance, por favor.

— NÃO! Já te dei chances demais. Você passou toda a sua adolescência treinando e passando de empresa por empresa, enquanto eu e sua mãe ficávamos em casa, sem saber como você era tratado, se estava bem, com fome, com sede, com frio, com saudades. — Desabafou o mais velho, tocando no assunto mais doloroso da família. — Você não estudava direito e mal dormia a noite. Ficava o dia todo treinando e treinando, esperando por uma chance. Chance essa que não veio até hoje.

— PARA! Eu sei o que eu passei, não preciso que ninguém me lembre. — Encostou-se no sofá, sentindo a cabeça pesada. Era tão frustrante ter vivido daquele jeito por tanto tempo.

— Daehyun, meu filho, escute seu pai. Ele sabe o que fala. — Pediu sua mãe, tentando acalmar a situação antes que piorasse. — Esse futuro sempre foi incerto. Por que não opta por um caminho mais seguro?

— Eu já escolhi o meu caminho! 

— Quantas vezes você foi rejeitado? Quantas vezes disseram "não" para você? Quantas vezes afirmaram que você não tinha talento? Quantas, Daehyun, QUANTAS? — Senhor Jung se levantou, caminhando de um lado para o outro, irritado. Seu filho era tão cabeça dura.

— Pai...? — Chamou inseguro, se arrependendo de estar discutindo.

— Eu mesmo vou escolher um emprego para você. Amanhã te chamo cedo para falar onde vai trabalhar daqui em diante. — Encerrou o assunto, caminhando apressado para fora do apartamento.

— Por favor, não suma novamente. — Pediu sua mãe, quase chorando. — Toda vez que brigam, você inventa de viajar para longe e fica meses fora. Filho, por favor, não vá!

O rapaz suspirou alto, deitando a cabeça no encosto e pensando no que fazer. Por que sua vida tinha que ser tão complicada?

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