A noite foi longa, o lugar suturado estava inchado e dolorido. Passei a noite sentindo dor, muita dor. Até pensei que talvez tivesse algum caco de vidro ainda. Óbvio que tinha outros cortes pelo meu corpo feitos pelos mesmos cacos e alguns aranhões pelo corpo, mas nada se comparava ao meu pé. Levantei por volta das 02:30 da manhã pra tomar remédio, Gabriel estava apagado do meu lado. O remédio provavelmente me deu sono, e só assim que consegui dormir. Acordando só no outro dia perto das 8 horas.
Sobressaltei da cama quando vi que Gabriel não estava do meu lado, e me preparei pra ouvir os gritos. Se eu não levantei mais cedo, não teve café da manhã, ou seja, Gabriel vai estar com fome e completamente irritado por eu não ter feito nada. Entrei no banheiro rápido antes de descer pra cozinha, e assim que me virei pra sair do banheiro, ouvi o barulho da porta do quarto.
Jurei que ele ia gritar quando me olhou, fechei a porta sentindo meu coração acelerar e minha respiração pesar. Não é bom sentir medo de quem deveria te amar. Depois de tantas coisas, passei a ficar mais sensível com barulho, então ouvi todos os passos de Gabriel.
Gabriel: Amor? Tá tudo bem. - Enconstou na porta - Não precisa ficar com medo. Eu fiz café pra você, vem. Se preferir fico lá na sala.
Eu sentia sinceridade na voz dele, que por algum motivo, estava calma. Sua voz saiu em um tom aveludado, estava baixa e calma, diferente de ontem. Eu abri a porta em silêncio, encarei Gabriel, e ele me abraçou beijando entre meus cabelos.
Gabriel: Tá com medo? Desculpa te assustar tanto. - Gabriel sussurrou - Eu amo você, por mais que pareça que não.
Maraisa: Você me machuca. De uma pessoa não pode sair dor e amor. Ou você me cura, ou você me machuca. - Disse ainda no abraço.
Gabriel: Eu sei, eu sei. - Me beijou outra vez - Eu vou mudar, eu prometo que vou. Vai ser diferente agora.
Maraisa: Não acredito nas suas palavras vazias, me desculpa. - Ele negou.
Gabriel: É uma promessa. Eu tô prometendo que vou mudar. - Segurou meu rosto me beijando - Agora vem. Vem tomar café.
Tinha uma bandeja linda na cama com tudo que eu gosto. Frutas, suco, ovos mexidos, torradas, pãozinho, capuccino, panquecas, flores, aquilo estava lindo. Não me lembro dele ter feito isso uma única vez. Sempre foi muito razo, mesmo quando ele fingia ser bom. Eu me sentei na cama começando a comer, e ele ficou do meu lado.
Gabriel: O que quer assistir? - Ele nunca perguntou isso, mal me deixava ver televisão - Filme, série?
Maraisa: Ah, eu posso? - Perguntei confusa.
Gabriel: É claro. O que quer ver?
Maraisa: Tanto faz. - Dei de ombros - Vou limpar o...
Gabriel: Eu já limpei. - Olhei rápido pra ele - Limpei o quarto, e tudo que sujei. Não se preocupa.
Eu sentia que algo estava errado, parecia que aquela não era minha realidade, era como um sonho. Gabriel nunca havia levado café na cama, ou limpado nada em casa. Ele mal pegava um copo de água, tudo dependia de mim. E se eu não fizesse acabava em brigas e agressões.
Eu terminei de comer no silêncio, deixando só a televisão falar, e assim que terminei encarei Gabriel. Ele nem estava percebendo, mas eu continuei olhando pra ele. Tinha dúvidas, tinha perguntas a fazer, minha cabeça estava cheia e eu estava cansada, queria respostas.
Maraisa: O que deu em você? - Gabriel franziu o cenho - O que aconteceu?
Gabriel: Não entendi.
Maraisa: Por que tá me tratando tão bem? O que eu fiz?
Quando a pessoa te trata mal demais por muito tempo, você infelizmente se acostuma, então, obviamente, quando ela te tratar razoavelmente bem, você vai achar que ela tá doente, ou confudindo você com alguém. E eu me sinto assim. Sinto que dormi, e acordei com o irmão gêmeo do Gabriel - que ele nem tem.
No começo do namoro, não era tão ruim, ele me tratava bem, mas a gente se casou rápido, então durou pouco. As agressões verbais e físicas ficaram tão frequentes, que tudo de "bom" tá escondido.
Maraisa: Sua consciência pesou? - Minha voz embargou - Só agora?
Gabriel: Eu sinto muito, por tudo. - Limpou uma lágrima dela - E a prova disso, vai ser você ir ver seus pais. - Paralisei.
Maraisa: Oi? Você tá brincando. - Ele deu de ombros.
Gabriel: Não. Pode ir ver seus pais. - Eu neguei.
Maraisa: Mentira. Isso não tem graça, Gabriel.
Gabriel: Na próxima quinta eu não trabalho. Posso te levar lá. - Ele olhou o celular - Pode almoçar lá, e eu te busco depois do jantar.
Eu ainda não estava acreditando que aquilo era real, não era possível. A coisa que eu mais sinto saudades, é da minha família. Os meus pais, meus irmãos, eu sinto saudades até das pirraças de Maiara e Cesar. Era bom ter eles por perto.
Maraisa: Obrigada, obrigada! - Olhei pra ele - Mas o que quer que eu diga? Sobre tudo isso. - Mostrei minhas marcas.
Gabriel: Ah, eu não sei. Mas eu prometo nunca mais tocar em você.
Eu confiava nele? Não. Não mais. Mas ele deixou eu ver os meus pais, isso já é um avanço e tanto. Nunca imaginei isso, finalmente poderei ver meus pais sem brigas antes de ir, ou sem desculpas e enrolação. Gabriel sempre dá um jeito de não me deixar ir, me elogiar e me levar pro quarto, ou me trancar em casa, sempre conseguia fazer alguma coisa. Eu boba, sempre acabo percebendo que ele faz de propósito só depois.
O dia foi bom, leve, diferente eu me sentia em outra realidade, como se aquilo fosse um sonho. Gabriel me tratou super bem, cuidou de mim, me deu os medicamentos, me fez comer bem o dia todo, ele até me levou pra jantar fora. Coisa que não fazemos a tempo. Agora estávamos na cama, abraçadinhos.
Gabriel: Amor? Você quer ter filhos, não é? - Assenti.
Maraisa: Mas não com 18 anos. E nem com você daquele jeito. O risco de abortos se tudo que normalmente acontece, acontecer na gravidez é gigante. E não quero passar por isso.
Gabriel: Tem razão. - Beijou minha testa - Te amo.
Maraisa: Também te amo.
Geralmente eu durmo pensando em acordar e aquilo ser um pesadelo. Mas hoje, dormi com medo de acordar e aquilo ser um sonho.
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Salva-me
FanfictionNão existe mulher que gosta de apanhar. •Existe mulher com medo de denunciar. •Existe mulher sem dinheiro para ir embora. •Existe mulher humilhada e desacreditada. •Existe mulher machucada, frágil, sem vida.