Um possível descanso

169 25 3
                                    

Provavelmente eu deixei o rastro de sangue no chão. Eu mal conseguia pisar no chão, tinha tanto sangue ali que eu jurei que tinha amputado o pé. Aquilo doía e queimava, não sei o que tinha no copo, mas estava queimando. O corte tinha mais que 5 cm, e provavelmente eu precisaria de alguns pontos ali.

Gabriel: Abre isso. – Gritou.

Maraisa: Para, por favor. Você me machucou. – Pedi chorando.

Gabriel: Eu tô mandando você abrir essa, merda!

Ele esmurrava a porta com tanta força, que eu jurei que iria cair. Com muita dificuldade abri a porta tentando estancar o sangue, e ele se abaixou do meu lado com os olhos chorosos.

Gabriel: Me desculpa. Desculpa. – Ele tocou meu rosto – Eu não queria fazer isso.

Maraisa: Você abriu meu pé. – Sussurrei, não tinha mais forças pra falar, ou me defender dele.

Gabriel: Desculpa. Eu não sei o que deu em mim. Eu nem bebi hoje. Eu juro. – Ele limpou meu rosto – Vou levar você pro hospital. Isso aí vai precisar de ponto.

Maraisa: Agora você se importa? – Sussurrei outra vez.

Gabriel: Levanta, eu vou te ajudar.

Maraisa: Não, não precisa.

Gabriel: Anda, amor. Olha o tanto de sangue que tem aí. Vem, vamos.

Não tinha outra opção, eu precisava ir mesmo ao médico ou aquilo não iria parar de sangrar. Gabriel me levou pro carro no colo, e voltou pra pegar alguns documentos depois. Pela primeira vez em muito tempo, eu vi o arrependimento em seu olhar, ele parecia realmente sentido. Mas eu sei que essa não vai ser a última vez.

Maraisa: O que vou dizer? – Perguntei quebrando o silêncio.

Gabriel colocou uma expressão confusa no rosto.

Gabriel: Eu não entendi.

Maraisa: O que quer que eu diga quando perguntarem o que aconteceu com meu pé? – Olhei pra ele com os olhos pesados, estava cansada disso tudo. Cansada de ser refém.

Gabriel: Eu não sei. Pode falar que estava lavando louça e deixou cair, ou diz que temos um filho e ele deixou cair. – Mais mentiras.

Maraisa: Tá.

Gabriel: Me desculpa de verdade. Eu não...

Maraisa: Tá bom. – Me apressei em dizer.

Não queria ser grossa, poderia acabar em briga, mas não queria falar com ele mais, não agora. Queria pensar, queria sentir a culpa de permitir isso chegar nesse ponto, ou simplesmente acordar e estar em casa, ouvindo a Maiara falar:

"Irmã, olha pra mim! Vou sapatear pra você."

Ou receber presente do meu pai quando acordar, ou minha mãe fazer chambari porque eu e Maiara gostamos. Sinto saudades de tantas coisas, tantos momentos, do Cesar que agora deve ter crescido e mais bonito. Queria poder voltar no tempo. Sempre ouvi minha mãe dizer que precisamos tomar cuidado com as decisões, e olha, ela tinha razão.

Chegamos no hospital em um tempo razoável, ainda tinha muito sangue e a dor não tinha melhorado. Outra vez ele me levou pra dentro do hospital nos braços, e logo me encaminharam pra uma sala de PS. Acho que a médica percebeu que eu estava um pouco confusa e desconfortável, e antes de examinar meu pé, olhou pro Gabriel.

Xx: Você pode esperar lá fora, se quiser. – Falou fazendo ele sorrir.

Gabriel: Obrigada, mas estou bem aqui.

Xx: Ok. Como isso aconteceu? – Se virou pra mim – Tá bem fundo.

Maraisa: Eu não sei como aconteceu direito, mas um copo escorregou da minha mão enquanto eu lavava louça. – Respondo como havíamos combinado – Na hora eu nem vi que estava tão fundo.

Xx: Tem certeza? – Perguntou e eu assenti.

Maraisa: Sim. Tá tudo bem. – Sorri fraco.

Xx: Ok. Eu vou tirar o resto dos vidros que tem aqui, e depois suturar, ok? – Apenas balancei a cabeça.

Aquilo doeu mais do que eu imaginei. Tirar os cacos foi bem pior do que suturar por conta da anestesia. Mas no geral, tudo doeu muito. Levei quase 6 pontos ali, e provavelmente aquilo me impediria de fazer muita coisa em casa, o que pode acarretar mais brigas.

Xx: Você precisa de repouso por esses dias, pelo menos uma semana. Vou te passar alguns medicamentos pra dor, e na próxima semana você vem pra tirar os pontos.

Maraisa: Ok. Muito obrigado.

Ela olhou pro Gabriel enquanto tirava as luvas.

Xx: Você pode ir a recepção assinar alguns papéis? É padrão do hospital. – Ele assentiu.

Gabriel: Claro. Eu volto logo, amor. – Sorriu ao sair da sala, e eu quase saí correndo dali.

Xx: Você tem certeza que foi um acidente? Esse corte tá muito fundo, e você tem muitas marcas de pancada no corpo, acho que talvez...

Maraisa: Sim. Eu tenho certeza. – Respondi rápido – Eu luto Taekwondo, por isso os hematomas.

Xx: Olha só, você pode confiar em mim. Ele bateu em você?

Eu ouvi meu coração gritar "sim". Ouvi todo o meu corpo reagir pra um "sim". Mas minha cabeça sempre me lembrava das ameaças vazias, que ainda me assustavam. Não podia correr o risco, não queria machucar Maiara.

Maraisa: O Gabriel? Não, ele nunca tocaria em mim. – Respondi fazendo ela quase acreditar naquilo – Ele nunca matou uma formiga. Por favor, não o julgue, ele é muito bom pra mim.

Xx: Tudo bem, me desculpe. – Ela segurou minha mão – Você tá liberada, pode ir pra casa. Mas tá aqui meu cartão. Meu nome é Julia, e aqui tem o meu número caso precise.

Eu sorri fraco disfarçando o quão grata eu estava por aquilo, mas fingi desinteresse.

Maraisa: Obrigada.

Saindo da sala encontrei com o Gabriel, que logo tratou de me ajudar, e segurou os papéis que estavam na minha mão. Fomos pra casa em silêncio, eu não tinha nada a dizer, e muito menos ele. Fui pro banho tirar aquele cheiro de sangue e hospital do corpo, e voltei pra cama colocando um travesseiro por baixo do meu pé como a médica havia dito.

Maraisa: Amanhã eu limpo aquelas manchas do quarto e do carro. – Avisei cansada – Hoje eu não consigo.

Gabriel: Pode deixar, eu vou limpar aquilo. – Meu cenho franzido – Você precisa de alguma coisa? Tá com dor ou com fome?

Maraisa: Não, tá tudo bem. Não preciso de nada. – Respondi rápido – Eu só preciso dormir.

Gabriel: Tudo bem, não vou incomodar você. Vou limpar o quarto, volto logo pra te fazer companhia.

Gabriel sorriu fraco saindo do quarto, e eu finalmente consegui deixar aquele nó na minha garganta se desfazer. Passo o tempo todo pensando que vou dormir e quando acordar, tudo vai ser diferente. Acho que esse deve ser só um modo de defesa. É melhor achar que o que você vive é um pesadelo, do que acreditar que aquela realmente é a sua realidade. Chorei tudo que tinha pra chorar. E outra vez, dormi querendo acordar e ver que era tudo um pesadelo.

Salva-meOnde histórias criam vida. Descubra agora