Devota.

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Em séculos atrás...

“Solte tudo que te prende e se prenda a tudo que te liberta” (Chef Lili Almeida). 

De joelhos se benzeu ao término da fala do padre. Concentrada em suas preces, fechou os olhos para sua oração final da missa, agarrada ao seu escapulário e a cruz do seu colar em sussurros baixos seguia em mais um dia.

Ao terminar se levantou e quando seus olhos chegaram no amontoado de pessoas se aglomerando para sair da igreja, foram distraídos por alguém que destoava. Ela estava sentada no canto, com pernas cruzadas, como se realmente estivesse esperando para ser notada.

Fez questão de ser a última, deu um sorriso de canto tão cínico e uma piscadela, avisando que estava ali. Claro que não foi bem recebida, mas parecia gostar disso. A dona dos olhos que haviam pousado nela, cruzou os braços em revolta e em reprovação, como alguém que perguntava o que ela estava fazendo novamente naquele local.

Não teve pressa, levantou-se e saiu sem nem ao menos ir até a devota cumprimentá-la, com certeza com todo aquele jeito que tinha, só queria deixar o aviso de que estava ali.

A mulher que trabalhava na igreja, tensa, enrolou ao máximo que podia para não sair. Fez o que sempre fazia e até se encarregou de outras funções que não eram suas, após horas e até mais tranquila, jurando que aquela morena teria ido embora, resolveu fazer seu passeio pelo jardim do convento e da igreja, que também eram a sua casa.

Distraída enquanto conversava com suas amigas, sentiu o braço lhe agarrar, obrigando-a parar. Não foi bruto, apenas chamou a atenção de todas que estavam ali.

Deveria não confiar tanto nas suas especulações, era tão óbvio só por aquele sorriso de mais cedo que ela não iria embora tão fácil.

— Será que eu poderia conversar um pouco com a senhorita Gonçalves? — Surgiu na voz grossa e rouca, mas feminina. Cheia de atitude. — A benção.

Aquela que estava sendo segurada nada respondeu, apenas encarou a desconhecida e depois para quem ditava as regras, e quem diria se podia ou não.

— Deus lhe abençoe. — Falou sua frase típica. — Sobre o quê exatamente? — Perguntou com toda a sua rigidez.

— Sobre a conversa que tive com ela um tempo antes, li os versículos que a senhorita me recomendou e gostaria de comentá-los, e também quem sabe receber uma nova direção. Tenho a sua permissão, Madre? — Inventou qualquer desculpa, era boa nisso.

Foi extremamente educada, a fim de conquistá-la assim como teria feito antes. Mal sabiam aquelas fiéis que a morena era absolutamente tudo o que aquela igreja condenava. Bruxa, feiticeira, cedida aos prazeres da carne, praticava o lesbianismo, usava do fumo e de bebidas alcoólicas, era uma bela mentirosa e por essa habilidade conseguia se passar bem por uma moça casta e sem tantas maldades.

— Sendo assim, está permitido. — Sorriu gentilmente para a mulher que era muito educada. — Mas andem apenas nos jardins frontais. — Delimitou um espaço.

— Muito obrigada, Madre. Pode deixar. — Abaixou a cabeça em respeito. — Tenham um ótimo fim de tarde. — Seguiu a segurar o pulso da sua companhia de passeio até que elas se afastassem.

— O que veio fazer aqui? — A freira que havia sido procurada respirou fundo e juntou as mãos na frente do corpo, seguindo a caminhar.

— Senti saudades de conversar com você, senhorita. — Confessou tentando acompanhar os passos que ela dava.

— Eu mal conheço você. — Rebateu achando um grande exagero... Mas se bem que não era sempre que tinha alguém para lhe atormentar a mente e lhe tirar de uma rotina monótona. Em todos os encontros com conversas, sempre ficava mexida após.

Inconsistente - Romance Lésbico. (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora