Clara
Sete meses depois
Sete meses.
Sete meses se passaram desde que a Dra. Castro me medicou pela primeira vez devido ao meu "Transtorno de Estresse Pós-traumático".
Sete meses que eu sentia o peso espesso da minha consciência, afundando nas águas escuras da minha culpa, meus medos e minha fragilidade. Desde que fui medicada, não conseguia formar um pensamento lógico ou qualquer pensamento que fosse, minha mente se esfarelava cada vez que eu tentava me esforçar para levantar, para pensar por mim mesma.
Estava presa dentro da minha própria mente e a mera ideia de tentar nadar contra essa correnteza que ameaçava me afogar era exaustiva. Por que essa era minha realidade agora, a exaustão se assentou em meus ossos, minha mente e meu espírito e não conseguia, nem queria me libertar desse novo peso.
Esse peso, esse... fardo, me ajudava a não pensar tanto nas minhas falhas. Sobre como falhei com Brian, sobre como falhei em ser uma boa filha para meu pai, como o deixei sozinho com Olga e Daniela e como os pais de Brian estavam sozinhos depois que o filho desapareceu e foi declarado morto.
Eu estava tão absorta em meus pensamentos que mal notei a batida na porta do meu quarto sem graça. O rosto sorridente de Yara logo apareceu na porta e fingi não perceber que seu sorriso vacilou ao me ver. Não podia culpá-la, desde que me obrigaram a tomar aquela pílula branca para "acalmar" minha mente, havia perdido muito peso e meu rosto não passava de um crânio com pele macilenta.
Meus cabelos, antes tão luminosos e cheios, agora eram ralos e a cor esmaecida. Não podia fingir que não me via mudando, que não enxergava tudo o que estava acontecendo e que não me importava, mas a verdade era que estava tão exausta de me importar com tudo e com todos.
Eu estava exausta de estar em minha pele, de ter a vida que tinha, de estar presa em minha mente que parecia cheia e vazia demais. Estava exausta de tudo, mas não tinha coragem de terminar com tudo, de acolher aquele vazio e me entregar a ele.
— Está pronta para sua hora com a psiquiatra? — Yara sorria para mim com doçura.
Assenti, me levantando lentamente e a respiração pesada com o mero movimento. Desde a medicação, minhas sessões com a doutora Castro haviam se tornado silenciosas, mesmo com os infindáveis questionamentos dela e sua insistência de que me abrisse e compartilhasse meus "sentimentos".
Quase ri desse pedido, como era possível ter sentimentos se me fazia engolir tudo o que os neutralizaria? Como poderia ter qualquer fio ínfimo de qualquer sensação que não fosse o nada infindável que aquele maldito comprimido me causava?
Cada vez que ela basicamente me suplicava para conversar com ela, queria gritar em seu rosto que sua forma de "tratamento" estava matando meu espírito e minha mente, que eu preferia estar a sete palmos do chão do que ver seu rosto mais uma vez por cada hora de todos os dias.
— Você dormiu bem? — Yara me encarava com aquele olhar maternal enquanto me guiava para o consultório.
Assenti, ansiosa para a próxima hora passar rapidamente e voltar para o meu quarto. Pelo menos lá, eu podia ficar em paz com os meus pensamentos. Quando chegamos ao consultório da doutora, Yara bateu e abriu a porta para mim, o olhar incisivo como se quisesse algo de mim.
Ignorando, entrei no consultório já tão conhecido e me sentei na poltrona confortável. A doutora Castro me observava com uma precisão clínica, seu escrutínio sob mim durou alguns poucos minutos enquanto ela me cumprimentava calorosamente como sempre fazia.
Com aquela voz melosa, como se soubesse mais sobre mim do que eu mesma. Nos primeiros dias de terapia com ela, simpatizei com ela e me abri sobre os recentes eventos que me levaram até ali. Até o dia em que vi a matéria no jornal sobre o policial que havia me atacado e tudo explodiu em uma cadeia de eventos confusos e injustos.
Primeiro foi a medicação "calmante" e depois vieram dias em que fiquei confinada a enfermaria extremamente silenciosa e era dopada em momentos específicos do dia, como se não pudesse me lembrar do que aconteceria a seguir. Acordava letárgica e confusa sobre o motivo de estarem me dopando e era calada com mais sedativos.
Com o tempo, parei de questionar e os sedativos cessaram, fingia estar dormindo nos momentos que sabia que seria dopada e ouvia a voz do meu pai conversando com os enfermeiros ou me observando pelo painel de vidro que separava a enfermaria da sala dos visitantes.
Queria ir até ele, queria abraçá-lo porque sentia tanta saudades dele que doía, mas seus olhos não eram os que me encaravam com tanto amor nos vinte e nove anos da minha vida. Agora seu rosto era endurecido, os olhos frios e cruéis. Não se parecia em nada com o homem frágil que desabou com minha condenação.
Tentava me convencer de que era um efeito do medicamento, que não era o meu pai me olhando daquela forma, mas quanto mais empurrava a memória dele para o fundo da minha mente, mais me incomodava. Onde estavam meus amigos? Por que somente meu pai vinha me visitar?
Ele nunca se aproximou de mim, somente ficava me observando em silêncio. Queria falar com ele, perguntar onde estavam Kim e Vitor, mas tinha a sensação de que seria sedada imediatamente. Então me mantive em silêncio, fingindo estar dormindo e sentindo o cheiro dele.
— Então, me conte sobre seu dia. — A voz estridente da doutora me trouxe de volta à realidade. Aquela animosidade fingida me lançava espasmos de raiva pelo meu corpo.
Um riso sarcástico ameaçou romper minha garganta, a amargura escorrendo por cada pensamento sobre aquela mulher.
— Meu dia? Bem, entre encarar a parede eternamente e fazer uma quantidade absurda de nada, eu diria que não tenho muito para te contar. — Meu tom ácido fez o sorriso forçado desmoronar.
Ela que queimasse no inferno.
— Você precisa achar atividades que ache prazerosas, Clara. Já conversamos sobre a importância de ter hobbies e se manter ativa. Tem feito as caminhadas e atividades que recomendei? — Com as mãos cruzadas em cima da mesa, ela parecia alguém importante, como se fosse a dona daquele hospital.
— Sim, doutora. Vê como eu estou bronzeada e musculosa? — Flexionei meus músculos do braço em uma tentativa patética de parecer mais forte.
— Clara, essa sua atitude não nos levará a lugar algum. — Ela praticamente sibilou em minha direção, a fúria palpável em cada uma de suas palavras.
Sorri, aproveitando o temperamento volátil dela naquele dia: — Então por quê você não me droga novamente? Está fazendo isso há meses mesmo.
Minha displicência ao dar de ombros finalmente quebrou o controle que ela tentava manter nos últimos meses.
— Estou te medicando! Minha intenção é te ajudar a superar os eventos traumáticos e te tratar!
Ri quando sua voz começou a se elevar demais, provavelmente chamando a atenção de Yara que estava no corredor. Sentia-me morbidamente alegre ao ver a veia pulsando loucamente na testa dela e os olhos injetados de fúria, pronta para causar a cena que eu tanto queria.
— Você está me colocando em uma coleira, sua vadia burra! — Sorri em sua direção, um sorriso cheio de amargura pelo que ela estava me fazendo passar — Mas o que mais me deixa curiosa, é quem segura a sua. Aposto que seu chefe está te dando trabalho, né?
Minha voz de falsa pena apenas inflamou o ódio dela, que parecia pronta para pular por cima daquela mesa como um animal. Uma pena que Yara abriu a porta antes disso, o olhar preocupado e desconfiado na direção da doutora.
— Acho que é o suficiente por hoje — Ela entrou calmamente na sala, me guiando suavemente para a saída.
Enquanto saía de lá, a doutora me encarava com um misto sinistro de raiva e determinação, ela poderia vir para cima de mim o quanto quisesse. Não tinha mais nada a perder, mesmo.
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Sombras do Passado
Mystery / ThrillerA investigadora Clara Becker se vê mergulhada em uma teia de mentiras e mistérios quando sua irmã e seu marido desaparecem sem deixar rastros. Quando sua irmã é encontrada em uma cabana isolada, o que parecia ser o fim do mistério apenas abre caminh...