PRÓLOGO

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O morro estava tranquilo e o sol ia se pondo, deixando a vista ainda mais bonita. Eram quase oito da noite, mas o horário de verão ajudava a prorrogar o entardecer. Comandando um carregamento enorme de material escolar - mochilas, estojos, lápis, cadernos - pra dentro da Associação dos Moradores, Verônica sorriu ao ser abraçada por algumas das crianças que circulavam por ali. Os materiais seriam separados em um kit especial e distribuído para mais de mil crianças na comunidade. Todo o material foi arrecadado após um acordo entre os agentes do tráfico e a equipe de campanha de um político que, com a ajuda certa, acabou se elegendo.
Verônica não estava do lado certo da lei, mas estava do lado das pessoas. Daqueles que não obtinham ajuda governamental, daqueles que eram deixados de lado pelo Estado. Embora seu coração a guiasse sempre para atos de caridade na favela, ela jamais conseguia se esquecer do preço que estava pagando por aquilo. Do peso que a pistola e o rádio transmissor faziam em sua cintura. Das noites sem poder dormir tranquila.

Aí, Venenosa! — o rádio apitou em sua cintura — Pega a visão!

— Termina de descarregar o caminhão e tranca tudo pra mim. — ela diz entregando a chave para o responsável pelo local — Tenho que ver umas coisas.

— Sim, senhora. — o senhor já de idade sorriu

Verônica, apelidada desde que chegara ali como Venenosa, saiu da associação e caminhou até o portão. Puxou o rádio da cintura e apertou o botão de resposta.

— Fala comigo, Barata.

Batoré não chegou aqui ainda não, hein?! — a resposta foi quase imediata — Falei com ele tem meia hora, ele disse que tava perto do campo já e até agora nada.

Barata, um jovem de vinte e três anos, estava fazendo plantão em uma das entradas da comunidade. Deveria ser substituído em breve pelo amigo de longa data.

Aí, na moral, mané, se ele tiver parado ali no Joca pra tomar uma, eu vou encher esse filho da puta de porrada, negão. — resmungou — Sem sacanagem, não é a primeira vez que ele faz isso.

Verônica franziu o cenho. Certo que Batoré fez isso três meses atrás, porém ele respondia aos chamados e depois o chefe havia chamado sua atenção. Ele não seria idiota de fazer isso de novo.
Ela olhou para cima e sentiu algo estranho. Não sabia dizer ao certo do que se tratava, mas algo diferente estava acontecendo.

— Segura as pontas aí, Barata. — ela respondeu — Me mantém informada.

Deixa comigo.

Venenosa respirou fundo e encarou as crianças brincando no parquinho da associação. Um arrepio intenso cruzou seu corpo.

— Batoré, responde! — transmitiu um alerta para o amigo sumido — Merda! — murmurou ao não obter resposta

As responsáveis das crianças a olharam e sorriram. Verônica, apesar de estar envolvida com o movimento do tráfico, era querida pelos moradores daquela comunidade. Principalmente os carentes.

— Botem essas crianças pra casa. — Verônica disse antes mesmo de pensar sobre a frase

— Está acontecendo alguma coisa? — uma avó se assustou

— Vai acontecer. — ela confirmou — Vai pra casa e faz o boca-a-boca. Eu não quero ver ninguém na rua, daqui até o campo!

Existiam pontos estratégicos em tempos de confronto e todos da comunidade sabiam que esses pontos deveriam ser evitados sempre que uma ameaça se aproximava — seja a polícia ou uma facção inimiga.
Acolhendo o conselho dado, todas as mulheres recolheram suas crianças, iniciando uma pequena correria. Em poucos minutos, todos os comerciantes se preparam para fechar, em caso de confronto. As mães colocam suas crianças pra dentro de casa, os bares ficam abertos com meia porta e todos ficam à espreita aguardando por qualquer mínimo sinal.

Laços Proibidos - Coração vs LeiOnde histórias criam vida. Descubra agora