Capítulo 21

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Nos dias seguintes Rodolffo veio todos os dias.  Juliette esperava-o sempre no jardim.
Não lhe parecia bem recebe-lo no quarto.

Ela continuava com o semblante triste.   A cor havia voltado ao seu rosto.  Tinha começado a alimentar-se melhor.

Conforme combinado cada um lia uma carta.  No final conversavam sobre o que sentiram ao escrevê-la.

Rodolffo tagarelava tudo mas Juliette ainda tinha dificuldade em expressar os sentimentos.

Rodolffo pensava: quando é que ela travou assim?  Sempre foi tão decidida nas suas acções.

Rodolffo foi convidado a almoçar com eles nesse dia.  Juliette olhou para a mãe como que a repreende-la.  Não queria que Rodolffo participasse da sua guerra com as refeições.

Sentaram-se à mesa Juliette, sua mãe e Rodolffo.  Seu pai tinha viajado a negócios.

Juliette serviu-se de coisa nenhuma.

J - Estou sem fome.

R - Eu nem vou sujar o prato pois também estou sem fome.

J - Mas ainda agora tinhas fome?

R - Perdi a vontade ao ver o teu prato.  É sério que vais comer isso tudo?

V - Ultimamente é assim Rodolffo. Bem tentamos fazer o que ela gosta mas não adianta.   E olha que hoje até é dos dias em que ela pôs mais comida.

R - Então também vou comer tanto como ela.  Disse ele servindo-se de um tiquinho de arroz.

Acho que pus um grão a mais disse ele devolvendo um grão à travessa.

Juliette achou graça e riu.  Serviu-se de mais um pouco e pôs mais no prato dele.   Rodolffo piscou o olho a dona Verónica que sorriu.

Ainda conseguiram que ela comesse um pouco de salada de fruta.  Por hoje sentiram-se vencedores.

No final da refeição era hora de Rodolffo ir embora.  Tinha assuntos a tratar pois no mês seguinte ia assumir funções no hospital.

Juliette subiu para descansar um pouco.  Estava mais animada mas muitos fantasmas ainda surgiam nos seus pensamentos.

No dia seguinte Rodolffo encontrou-a novamente apática.
O que se passa nesta cabecinha, pensou ele.

R - Ontem estavas bem.  O que foi?

J - Lembrei-me do padre António.   Queria tanto conversar com ele.

R - E o padre novo?  Queres ir lá?

J - Não me sinto à vontade.  Nem o conheço, só de vista.

R - Vamos lá.   Há sempre uma primeira vez.
Era a oportunidade de a tirar de casa.  Falei com dona Verónica que consentiu.

Chegámos à igreja e a missa ia começar.  Ficámos os dois para assistir.
No final, esperámos todos saírem e apresentámo-nos ao padre Duarte.

Era mais ou menos da idade do padre António e também muito simpático.
Contámos algumas coisas sobre nós e nossas famílias.   No final Juliette sentiu vontade de se confessar.

Fiquei aguardando por ela no último banco da igreja quando uma jovem entrou e ajoelhou ao meu lado fazendo as suas orações.
Eu estava sentado e ela sentou também.

C - Muito prazer, sou a Cátia.  Sou nova na cidade, não conheço aqui ninguém.

R - Eu sou Rodolffo.   Nasci e cresci aqui e sou médico.

C - Sou arquitecta.   Morava em Lisboa mas quero o sossego de uma cidade pequena.  Vim falar com o padre.  Talvez ele me dê algumas informações que preciso.

Juliette tinha acabado a confissão e vinha saindo acompanhada do padre.  Olhou e viu eu conversando com Cátia.  Imediatamente o seu semblante mudou.

O padre Duarte ouviu a minha confissão e no final vinha me aconselhando a conversar mais,  soltar tudo o que me agoniava, e não deixar nada por dizer, quando vi Rodolffo numa conversa animada com uma moça que eu nunca tinha visto.

Não sei, mas senti o meu coração disparar.  Por segundos senti falta de ar e uma leve tontura.   Apoiei-me num banco lateral e o padre segurou-me pelo braço para eu me sentar.

Rodolffo viu o estado de Juliette, levantou-se, pediu licença à moça e foi ter com ela.

R - O que tens Juliette?  Não estás bem.

J - Já passa.  Foi só um ligeiro mal estar.  Vamos embora.

R - Vamos.  Apanhar ar vai fazer-te bem.

Saímos e passando pela moça desejei-lhe felicidades.

Já fora da igreja, Juliette sentou-se num banco e disse:

J - Podes ir terminar a conversa com a moça.  Eu vou sózinha para casa.

R - Não tenho nada para conversar com ela.  Foi uma conversa ocasional de duas pessoas que acabaram de se conhecer.
E eu não quero ir já para casa.  Queria ir lá na nossa casa contigo.

J - Eu não quero aquela casa contigo.  Pode ficar só para ti.

R - Juliette!  Que conversa é essa?  E nós dois?

J - Já não tem nós dois há muito tempo.  Nosso tempo já passou.
Seremos apenas bons amigos.

R - Vamos embora para casa.  Pensava que estávamos a avançar.  Pelos vistos andamos de cavalo para burro.  E já tenho amigos que cheguem, não quero mais.

J - Mas, Rodolffo!

R - Não digas mais nada.  Vamos embora.

Seguimos em silêncio até casa dela.  Ela entrou e foi logo para o quarto sem dizer nada.

Eu fiquei conversando com dona Verónica.   Contei tudo o que se tinha passado.

V - Ela ficou com ciúmes.  Eu conheço a minha filha.

R - Ciúmes de quê,  se ela mesmo diz que nós dois já passou.

V - Tem paciência filho!  Ela não está bem.

R - Mas também não ajuda. Vou lá só despedir-me.

Rodolffo subiu e Juliette estava deitada e encolhida na cama a chorar.

R - Juliette.   Já vou indo.  Não chores que só te faz mal.  Olha para mim.

Fiz ela olhar para mim e limpei-lhe as lágrimas.

R - Deixa de ser tolinha.  Já não me amas?  Queres que eu deixe de vir cá?  Eu faço o que tu quiseres mas tens que falar.  Eu não posso adivinhar o que vai nessa cabecinha!  Xinga-me mas desabafa.

Ela bateu no meu peito duas vezes com os punhos fechados e depois abraçou-me sem dizer nada.

R - Isso.  Solta essa raiva que tens de mim.  Se eu te magoei mostra isso.  Guardar faz mal, corrói a alma.

J - Não é raiva.  Eu não tenho raiva de ti.

R - Então é o quê?  Segurei na face dela com as duas mãos.

J - Euuuuu Amo-te tanto que dói.

Olhei-a nos olhos e juntei os meus lábios aos dela num beijo apaixonado e guardado há muito tempo.

LágrimaOnde histórias criam vida. Descubra agora