✂ Dois ✂

114 20 349
                                    

Ísis

O lugar que eu aluguei na vila da dona Vilma é minúsculo. E não, não estou reclamando, afinal, o que eu tenho? Isso, absolutamente nada. Nadinha. Nem roupa direito.

Quando vim do interior só juntei umas poucas mudas de roupa, enfiei tudo dentro da minha mochila vermelha e parti.
Tudo assim, sem muitas frescuras. Quem não tem nada, não tem o que deixar para trás. Sou apenas eu e Deus.

Contudo, quando acordo no dia seguinte ao problemão que arrumei, sinto uma pontada de sufocamento ao olhar em volta.
Parecia que as paredes estavam se fechando em torno de mim, exigindo uma atitude, cobrando uma ação.

Ou talvez eu pensasse isso porque não tinha mais como enrolar. Eu precisava pagar o aluguel, caso contrário, iria para a rua.

Após um longo suspiro resignado, levantei.

A minha cama velha ficava em um canto bem perto da porta. Se eu esticasse o braço conseguiria tocar na maçaneta. E adiante, do outro lado, a apenas alguns passos de distância, ficava uma mesinha de madeira com duas cadeiras, depois uma geladeira enferrujada e, quase colado à porta do banheiro, um fogão de quatro bocas que só funcionava às vezes. E digo às vezes porque nem sempre eu podia comprar o gás.

No mais era só isso. E já estaria bom, se eu conseguisse pagar.

Tudo o que tenho aqui foi cortesia do morador antigo que saiu foragido e deixou as coisas pra trás. Inclusive, na porta ainda tem um buraco de bala de quando vieram acabar com ele, mas não o encontraram.

Na parede acima da mesinha tem outro buraco. É interessante comer ali sabendo que tem uma bala enfiada no concreto. Já tentei tirar ela uma vez, mas não deu certo, então eu a deixei ali e fiquei imaginando que era uma amiga. De vez em quando eu conto meus problemas pra ela.

Melhor do que não falar com ninguém.

Mesmo a contragosto, fico de pé e arrumo o lençol. Dou uma rápida olhada em volta e vou ao banheiro. Depois de tomar um banho e escovar os dentes, sigo até a casa da dona da vila. Na noite anterior recebi um recado de que o Rafa, o filho dela e responsável pela equipe de limpeza, queria falar comigo.

Sem dúvida aquele egomaníaco loiro exigiu a minha cabeça numa bandeja de prata.

Deus queira que o Rafa não tenha dito onde eu moro. Caso contrário vou precisar me despedir da Clotilde — é o nome que eu dei à bala na parede —, da casinha e de todo o resto que me acompanhou nessas semanas.

— Oi! — Digo com um sorriso bem bonito, tentando despistar o Rafa. Porém, quando ele vem abrir a porta, sua cara é péssima. — E aí, bom dia? Disseram que você queria me ver.

Ele não diz nada por um longo segundo, depois me manda entrar.

Passo pela porta de madeira clarinha e fico parada na sala. Diferente das outras casas, essa é enorme e bem arrumada. A televisão parece gigante e os sofás ocupam quase todo o cômodo.

Sem contar que o piso praticamente brilha; é tudo bem lindo.

A dona Vilma sempre se gaba de ter uma casinha boa agora, já que na infância passou muita necessidade.
Eu a entendo, especialmente porque diferente do filho carrancudo dela, a dona Vilma é uma mulher de idade que tem uma doçura natural. Gosto dela, gosto mesmo.

— Ísis, você sabe que pisou na bola, não sabe? — A voz irritada do Rafa me traz de volta à realidade. — Entende o problemão que me arrumou? Eles nunca mais vão chamar a minha equipe para trabalhar em seus eventos. E sem contar que eu levei uma bronca terrível. Foi vergonhoso, sério mesmo.

Procura-se Uma NoivaOnde histórias criam vida. Descubra agora